São Boaventura, falando do amor divino irradiado pelo Sagrado Coração de Jesus, na pureza poética franciscana, nos exorta: “Levanta-te, ó alma amiga de Cristo. Não cesses a tua vigília, cole seus lábio neste Coração para aí haurires as águas das fontes do Salvador”(Cf. De ligno vitae).
A festa do Coração de Jesus é, para todos nós, santos e pecadores, um motivo para a esperança e paz.
Se observarmos bem o texto evangélico, nos diz Santo Agostinho, notaremos a precisão do termo usado pelo santo evangelista João: “Um soldado, com a lança, abriu seu coração e imediatamente jorrou sangue e água” (Cf.Jo. 19, 33). Não é dito feriu ou perfurou, ou outro verbo similar, senão “abriu”, de tal forma que podemos haurir por esta chaga aberta, a água que mata a sede eternamente, como falou Jesus à Samaritana.
No hino de ação de graças da liturgia desta festa a Igreja canta que “deste coração aberto, sacrário da divina misericórdia, jorra-nos torrentes de misericórdia e de graça”, segurança e paz para as almas puras e refúgio seguro para os pecadores penitentes.
Qual seria a razão para que se perfurasse o Coração de Cristo, já morto, quando a lei e a ordem de Pilatos mandavam apenas que se quebrassem as pernas dos condenados agonizantes no suplício da cruz para assim apressar sua morte?
Papa Bento XVI: “Dirigindo o olhar ao Coração de Jesus”
O Evangelista nos diz que era para que se cumprisse a Escritura que diz: “Não lhe quebrareis osso algum e em outro lugar: Lançarão o olhar para aquele que trespassaram”.
Podemos acrescentar, com São João Crisóstomo, que foi para mais ainda humilhar o Servo de Javé, cobrindo-o de insultos e infâmia, vituperando e profanando o seu cadáver, que até dos animais deve ser respeitado. Não só, continua o Santo, mas também em argumento da fé para aqueles que não crêem. Foi esta chaga que Cristo, mostrando-a a Tomé, nela mandou-o meter a mão para certificar o amor infinito do Mestre.
O Papa Pio XII, na Enclíclica “Haurietis aquas”, publicada em 1956, por ocasião do centenário da extensão da festa litúrgica a toda a Igreja, nos expõe com clareza teológica e pastoral este culto, ante a oposição de alguns que o julgavam menos adaptado às necessidades da Igreja uma “devoção sensível, não enformada em altos pensamentos e afetos”, não tão própria para as pessoas cultas. Uma devoção passiva que não ajudaria muito à defesa da fé e dos costumes cristãos em nossos dias.
“Ah, se conhecesses o dom de Deus e Aquele que te diz “da-me de beber, certamente lhe pedirias tu mesma e ele te daria uma água viva” (Cf. Jo. 4,10).
Se pudéssemos resumir numa frase o ensinamento dos Papas exposto na Encíclica, sobre este devoção e culto, repetiríamos o Pontífice Pio XI na “Miserentissimus Redemptor”: ‘Acaso não está contida nesta forma de devoção, o compêndio de toda a religião e mesmo a norma de vida mais perfeita como que ele guie mais suavemente as almas para o profundo conhecimento de Cristo Senhor nosso e com maior eficácia as mova a amá-lo mais apaixonadamente e imitá-lo mais de perto?”
A essência da religião é o amor. A fé e a esperança vão passar, ensina o santo Apóstolo Paulo. A caridade não. (Cf. I Cor.13). O relacionamento com Deus pela fé e pela esperança, enquanto estamos nesta morada terrestre, nos conduzem a três realidades, à vida, ao amor e à comunhão. Ao ágape de que nos fala O Sumo Pontífice Bento XVI (Cf. Deus charitas est). À vivência pascal do dom de Deus em seu Filho que deu a vida por nós e ressuscitou, perenizado misticamente na Eucaristia.
A pregação apostólica culminava na proclamação do amor de Deus através do seu Cristo. O mesmo apóstolo reconhecendo-se o menor de todos os apóstolos para proclamar toda a riqueza e dimensão deste amor, de joelhos, rogava para que Deus nos desse a conhecer a profundidade deste mistério que nos foi revelado(Cf.Ef 3, 8-19) no tríplice amor do Redentor para com o gênero humano, divino, espiritual e sensível. O amor que exala das páginas do Evangelho não compreende só a caridade divina, mas também a sensibilidade e o afeto humano. O Verbo de Deus se fez carne em tudo semelhante a nós exceto no pecado.
Ao olharmos o Coração trespasado de Cristo, nele sentimos o amor de um homem que se entrega por nós e que merece ser amado. O mesmo São Boaventura exclama que “para isso foi ferido o teu coração, para abrires uma porta e aí entrarmos, e libertos do pecado, com amor aí permanecer. Quem não ama tão grande amante?” Da sua chaga visível somos levados á chaga invisível do amor.
O culto ao Coração de Jesus é um culto de latria, de adoração ao amor de Deus na entrega de seu Filho, ao amor do Coração de seu Filho, Jesus, Filho do Homem, divinizado pela união hipostatica e que nos leva a ação de graças, suplica e reparação, a atos de piedade e de apostolado para sua glória.
A esta caridade que transborda do Coração do Verbo Divino por obra do Espírito Santo, e se difunde em nossos corações, entoa o Apóstolo (Cf. Rm 8,35) um hino que expressa o êxtase de toda a sua pessoa e que também é o nosso canto de “exultet” : “Quem nos separará do amor de Deus …Nada nos separará do amor de Deus que está em Cristo, nosso Senhor.”
Por isso, no Sagrado Coração do Jesus, quero colocar as doces intenções de todas as zeladoras e de todos os zeladores do Coração de Jesus.(…)
Sagrado Coração de Jesus, temos confiança em vós!