3. O celibato por amor do Reino dos Céus é, na sua vivência e na sua compreensão, uma experiência explicitamente cristã, que tem em Cristo o seu modelo inspirador, e na união a Ele a força que a motiva. Nenhuma referência extra-bíblica à virgindade, cultural ou cultual, conhecidas na antiguidade, pode ser considerada antecedente desta vocação cristã. Nem sequer o tão falado celibato praticado pelos essénios da comunidade de Qumran. É que entre eles a virgindade era mais a recusa global da sexualidade do que a escolha de um valor; e os motivos de uma tal rejeição estavam na concepção da sexualidade como uma realidade negativa, quase demoníaca 2, perspectiva completamente ausente da tradição bíblica.
No Antigo Testamento, devido ao sentido positivo da sexualidade e ao prestígio da fecundidade, que via na maternidade o maior benefício de Deus, anunciador do dom messiânico, a virgindade como escolha de vida não aparece. Mas podemos encontrar sinais de um germinar progressivo de atitudes que, mais tarde, à luz de Cristo, encontrarão o seu significado pleno no celibato voluntário por amor do Reino.
O culto de Yahwé exige a continência temporária, pois o serviço de Deus exige uma unificação interior que a continência ajuda a construir (cf. Lev. 22, 3-7). Também na valorização de viuvez casta (cf. Jd. 8, 1-8 e Lc. 2, 36) onde, por falta de uma clara dimensão escatológica, a renúncia às segundas núpcias significava uma confiança total em Deus, para melhor acolher a sua Palavra e dedicar-se ao serviço dos irmãos. Podemos também citar os casos de esterilidade fecunda (cf. 1Sm. 1, 1-2 e Lc. 1, 5-25) em que a fé e o total abandono ao desígnio de Deus abria para uma fecundidade misteriosa, porque fora dos ritmos da natureza.
Mas aparecem-nos alguns casos de escolha do celibato por chamamento de Deus. O caso do Profeta Jeremias que diz: a Palavra de Deus foi-me dirigida nestes termos: não tomes mulher, não tenhas nesta terra nem filhos nem filhas (Jer. 16, 1-2). É a denúncia da caducidade do casamento e da fecundidade, manchadas pela infidelidade de Israel e o anúncio de outras núpcias, as de Yahwé com o povo e de uma outra fecundidade ao ritmo da salvação. Esta renúncia ao casamento é, em Jeremias, um sinal, como em Oseias tinha sido sinal do tempo novo, o tempo da misericórdia, o seu casamento com uma prostituta, anunciando as núpcias de Yahwé com um Israel convertido e renovado (cf. Os. 1,2 3,1-5).
À medida que nos aproximamos do Novo Testamento, aparecem-nos grandes figuras cuja existência é a afirmação da exclusividade de Deus. João Baptista, o amigo do esposo, o que anuncia o Messias e que exprime na sua existência essa radicalidade de Deus, embora fosse apenas o anúncio das realidades novas do tempo do Espírito. As palavras de Jesus a seu respeito situam-no bem como a personagem charneira entre o tempo antigo e o tempo novo: Eu vo-lo digo, entre os filhos de mulher, não há ninguém maior do que João; e no entanto o mais pequeno no Reino de Deus é maior do que ele (Lc. 7, 28).
Mas é em Maria e José que toda esta longa preparação atinge o seu vértice, no anúncio de uma convergência misteriosa, própria do tempo definitivo, entre três valores aparentemente não conciliáveis entre si: o matrimónio, a fecundidade, a virgindade. Esta é a escolha fundamental de Maria, deixando a Deus, em quem confia, que encontre o caminho de conciliação entre a virgindade, que nela é a expressão de uma total entrega a Deus, e o matrimônio inevitável e a fecundidade desejada.3