Em conformidade com a iniciativa pastoral do Santo Padre, esta Nota pretende oferecer alguns tópicos de reflexão sobre a Vigília de oração (23 de Janeiro de 2002) e a peregrinação-oração (24 de Janeiro de 2002), e ainda algumas indicações práticas para que tais jornadas decorram frutuosamente.
1. O JEJUM CRISTÃO
1.1 A essência do jejum cristão
Em todas as grandes experiências religiosas, o jejum ocupa um lugar importante. O Antigo Testamento enumera o jejum entre os fundamentos da espiritualidade de Israel. «É boa a oração como o jejum e a esmola, acompanhada pela justiça» (Tb 12,8)3. O jejum implica uma atitude de fé, de humildade, de total dependência de Deus. Recorre-se ao jejum como preparação para o encontro com Deus (cf. Ex 34,28; 1 Re 19,8; Dn 9,3), antes de enfrentar uma missão difícil (cf. Jz 20,26; Est 4,16) ou implorar o perdão duma culpa (cf. 1 Re 21,27), para manifestar a dor causada por uma desgraça familiar ou nacional (cf. 1 Sm 7,6; 2 Sm 1,12; Br 1,5); mas o jejum, inseparável da oração e da justiça, visa sobretudo a conversão do coração, sem a qual, como denunciavam já os profetas (cf. Is 58,2-11; Jr 14,12; Zc 7,5-14), ele não tem sentido.
Impelido pelo Espírito, Jesus, antes de começar a sua missão pública, jejuou durante quarenta dias como expressão de confiante abandono ao desígnio salvífico do Pai (cf. Mt 4,1-4); deu indicações concretas para que a prática do jejum, entre os seus discípulos, não se prestasse a formas adulteradas de ostentação e de hipocrisia (cf. Mt 6,16-18).
Fiéis à tradição bíblica, os Santos Padres tiveram em grande consideração o jejum. Para eles, a prática do jejum facilita a abertura do homem a outro alimento: a Palavra de Deus (cf. Mt 4,4) e o cumprimento da vontade do Pai (cf. Jo 4,34); conexo intimamente com a oração, fortifica a virtude, suscita a misericórdia, implora o socorro divino, leva à conversão do coração. É com esta dupla vertente – de imploração da graça do Altíssimo e de profunda conversão interior -, que se deve acolher o convite de João Paulo II para a jornada de jejum no próximo dia 14 de Dezembro. De fato, sem a ajuda do Senhor, será impossível encontrar uma solução para a dramática situação em que está o mundo; sem a conversão dos corações, dificilmente se pode imaginar a cessação radical do terrorismo.
A prática do jejum tem a ver com o passado, o presente e o futuro: com o passado, levando a reconhecer as culpas contra Deus e contra os irmãos com que cada um se manchou; com o presente, aprendendo a abrir os olhos para os outros e para a realidade que nos rodeia; com o futuro, acolhendo no coração as realidades divinas e renovando, a partir do dom da misericórdia de Deus, a comunhão com todos os homens e com a criação inteira, assumindo responsavelmente a missão que cada um de nós tem na história.
O «dia de jejum» não deve ser interpretado exclusivamente segundo as formas jurídicas prescritas pelos Códigos de Direito Canônico (CIC 1249-1253; CCEO 882-883), mas num sentido mais amplo que englobe livremente todos os fiéis: as crianças, que voluntariamente façam atos de renúncia a favor dos seus coetâneos pobres; os jovens, tão sensíveis à causa da justiça e da paz; e todos os adultos, à excepção dos enfermos, sem excluir os idosos.
A forma de jejum a adotar será sugerida pela tradição local: ou uma única refeição, ou um dia «a pão e água», ou então esperar até ao pôr-do-sol para tomar alimento.
1.2.3 Além disso, o bispo terá o cuidado de estabelecer um modo simples e eficaz para que aquilo de que cada um se priva no jejum seja posto à disposição dos pobres, «em particular dos que sofrem neste momento as conseqüências do terrorismo ou da guerra»4.
2. A PEREGRINAÇÃO E A ORAÇÃO
2.1 O sentido da peregrinação e da oração
Nas Escrituras hebraicas, a conversão consiste primariamente nisto: voltar para o Senhor com todo o coração, retomar o caminho das suas veredas. Por isso, segundo a tradição e a sugestão do Santo Padre, o jejum-conversão de 14 de Dezembro de 2001 será acompanhado pela peregrinação e a oração.
A Igreja reconhece, na peregrinação, muitos valores cristãos. Na proposta do Santo Padre que visa a preparação espiritual do encontro de Assis, a peregrinação torna-se sinal do caminho árduo que cada discípulo de Cristo é chamado a fazer para chegar à conversão; é ocasião para repassar, no silêncio do coração, os caminhos da história; e para recordar que verdadeiramente vamos ao encontro do Senhor, «não caminhando, mas amando, e teremos Deus tanto mais próximo do coração quanto mais puro for o amor que a Ele nos leva [….]. Portanto, não é com os pés mas com os bons costumes que se pode caminhar para Ele, pois está presente em toda a parte»5; para descobrir novamente que todo o homem e mulher, imagem de Deus, caminha ao nosso lado rumo a um único destino: o Reino.
A oração é um momento fundamental para preencher, com a escuta de Deus, o «vazio» que em nós se criou pelo jejum purificador e pela silenciosa peregrinação. De fato, é necessário partir do coração de cada um de nós para se construir a paz: no coração, Deus atua e julga, cura e salva. Não devemos esquecê-lo: não há possibilidades de paz sem a oração; por ela damo-nos conta de que «a paz está muito para além dos esforços humanos, particularmente na presente situação do mundo, e por conseguinte a sua nascente e a sua realização devem ser procuradas naquela Realidade que está acima de todos nós»6.