Disse Jesus: ‘Meu reino não é deste mundo… Meu reino não é daqui‘ (Jo 18, 36). E, como lemos no Evangelho de Lucas (12,13-14), recusou-se terminantemente a intervir como juiz na repartição de herança, questão terrena que não lhe interessava. Quando o tentaram para que desse o parecer sobre a liceidade de pagar o imposto ao Império Romano, ele afirmou categoricamente: ‘O que é de César, devolvei a César; o que é de Deus, a Deus’ (Mc 12,17).
Santo Agostinho comenta: ‘O César busca a sua imagem: dai-lha. Deus busca a sua: devolvei-lha. Não perca o César a sua moeda por vós; não perca Deus a sua em vós’.
O Estado não pode intrometer-se no plano das coisas divinas; a Igreja não deve interferir em questões temporais, sempre mutáveis e relativas. Essas duas esferas de competência não se devem misturar. Diz o Concílio Vaticano II: ‘Cada uma no seu próprio campo, a comunidade política e a Igreja são independentes e autônomas uma da outra. Ambas, porém, embora por título diferente, estão a serviço da vocação pessoal dos mesmos seres humanos’. E recomenda a sã cooperação entre ambas (GS 76).
A Igreja continua no tempo a obra redentora de Jesus Cristo; sua missão é levar os homens ao seu destino sobrenatural e eterno. A sua justa e obrigatória preocupação com os problemas da sociedade provém exclusivamente da sua missão espiritual e mantém-se dentro dos limites dessa missão.
Estamos cansados de assistir a reações e queixumes quando a Igreja, por seus pastores, alerta sobre questões de justiça e moral e sobre problemas que afetam duramente a dignidade humana. Quantos quereriam que a Igreja ficasse enclausurada nos templos e nas sacristias; até mesmo Presidentes da República fazem declarações nesse sentido. Não. A Igreja está no mundo, na sociedade. Não lhe cabe propor soluções técnicas na política ou na economia, mas orienta os seus membros a dar essas soluções como cidadãos de pleno direito. Pertence aos cristãos, inseridos na sociedade, cuidar dos problemas temporais e contribuir com os demais cidadãos para construir um mundo cada vez mais humano e mais cristão. Como cidadãos exemplares, exigem os seus direitos e cumprem os seus deveres para com a sociedade. A fé que professam os ajudará a ter uma sensibilidade maior em relação ao bem comum e um discernimento mais aguçado quanto às realidades temporais nas quais estão mergulhados.
A pessoa humana é uma só. Tanto na vida pública como na vida particular, o cristão deve inspirar-se nos ensinamentos do Evangelho. São muitos os que desejariam que os cristãos tivessem uma vida dupla: uma nas suas atuações temporais e públicas, outra na sua vida de fé. Os cristãos, como cidadãos exemplares, hão de colaborar em tudo para o progresso do país na justiça e na paz; ao mesmo tempo, esforçar-se-ão para que as decisões políticas não se afastem da lei de Deus e dos aspectos morais da vida humana.
Dom Frei Daniel Tomasella
Diocese de Marília – SP
Fonte: Jornal ‘No Meio de Nós’