Cardeal fala do ardor missionário

No dia 21 de outubro em todo o Universo o 75º Dia Missionário Mundial. E todo o mês de outubro é dedicado a essa causa, isto é, o anúncio explícito de Jesus Cristo, especialmente nas regiões onde não são conhecidas ou aceitas sua Pessoa e Doutrina. Preparando os cristãos de todo o mundo para esse evento, o Santo Padre – e o faz cada ano, – divulga com antecedência uma mensagem alusiva à data. Seu conteúdo é de grande importância para fortalecer o cumprimento de uma ordem do Senhor “Ide, pois, e ensinai a todas as nações…” (Mt. 28,19).

Por ocasião do Pentecostes, a 3 de junho deste ano, o documento foi tornado público sob o título: “O desafio do futuro, iluminado pela esperança, deve ser a base do agir de toda a Igreja no novo Milênio”. Como ele diz explicitamente: “esta é a mensagem que desejo dirigir a cada fiel, por ocasião do Dia Missionário Mundial” (Mensagem, nº 1).

Abordo hoje algumas das idéias mais relevantes ou oportunas desse ensinamento pontifício, que devem ser acatadas por todos os fiéis. Chegou o momento de perscrutar o futuro “mantendo o olhar fixo no rosto de Jesus” (Mensagem, nº 2) conforme lemos na Epístola aos Hebreus (12,2): “com os olhos fixos nAquele que é o autor e realizador da Fé, Jesus”. O vigor missionário é conseqüência dessa fervorosa contemplação do Salvador. O cristão, arrebatado por esse fulgor, se empenha por testemunhar sua Fé no Redentor do homem. Não se trata de um apelo feito a alguns, “mas a todos, cada um no seu próprio estado de vida” (Mensagem, nº 3). Na Carta Apostólica “Novo Millennio Ineunte”, João Paulo II já havia escrito: “Esta paixão não deixará de suscitar na Igreja uma nova missionariedade” (Mensagem, idem). Cada um poderá constatar a veracidade dessa afirmativa: Quem verdadeiramente encontrou Cristo, não pode guardá-lo para si; tem de O anunciar” (Ibidem).

A sede por anunciar aos quatro ventos a mensagem de Jesus é a marca da autenticidade do verdadeiro cristão. Admirável é o exemplo que nos deixou o Apóstolo Paulo. Em sua 1ª Epístola aos Coríntios (9,17.22) assim se expressa: “Ai de mim se eu não anunciar o evangelho! (…) Tornei-me tudo para todos, a fim de salvar alguns a todo custo”.

Inacreditável que haja pessoas que se declarem cristãs, católicas e não busquem, por todos os meios válidos, levar aos confins da terra o anúncio explícito de Jesus e sua doutrina – e esta, íntegra, conforme o ensinamento do Magistério, e não interpretações com ele conflitantes. O trabalho missionário se apresenta ao mundo de hoje, – na expressão da Mensagem do Santo Padre com “uma singular urgência, se olharmos para aquela porção da humanidade que ainda não conhece ou reconhece Cristo (…) a missão “ad gentes” hoje é mais válida que nunca” (Mensagem, ibidem).

A revelação de Cristo ao mundo que ainda não O conhece ou O rejeita deve ser proposta com respeito à liberdade de cada um. Entretanto, a Igreja não pode se omitir na campanha missionária junto aos povos. Trata-se de um convite a todos, um apelo urgente ao qual deve ser dada uma resposta imediata e generosa. A esse ensinamento do Sucessor de Pedro surgem posições contrárias, usando o nome de católico. É uma repetição da parábola do joio no meio do trigo que atinge a comunidade cristã.

O documento pontifício, após alertar sobre a obrigação de anunciar clara e firmemente Jesus Cristo, acrescenta: “A missão exige oração e empenho concreto. São muitas as necessidades que a minuciosa difusão do Evangelho requer” (Mensagem, nº 6). Para estimular a observância deste dever cristão, o Papa Pio XI, atendendo a pedido da Pontifícia Obra da Propagação da Fé, estabeleceu a celebração, em cada diocese, em cada paróquia e em todos os institutos católicos no mundo inteiro, o Dia Missionário, para recordar a cooperação espiritual e material com o trabalho missionário.

Nos últimos decênios, uma das vertentes do estudo desse assunto tem se orientado por reduzir ou esvaziar o cumprimento da ordem do Senhor: “Ide e ensinai a todos os povos o evangelho” (Mt. 28,19). O gigantesco esforço por propagar a fé cristã, de modo particular em certos períodos da história da Igreja, se viu diminuído ultimamente em alguns lugares a uma morna presença, a um entibiamento do conteúdo teológico e, em conseqüência, das atividades missionárias. Colocam no mesmo nível todas as crenças religiosas. Felizmente, esse doloroso erro vem sendo contrabalançado por um renovamento do entusiasmo na propagação da Fé. No entanto, grande dano tem sido feito à Igreja pelo arrefecimento do ardor na difusão do Evangelho de Jesus. Esta atitude que ainda perdura em alguns meios, provoca uma grave anemia em vários setores religiosos. Por que trabalhar pelas missões, fazer tantos sacrifícios se estas se limitam a uma mera conveniência, pois o ensinamento divino, embora sob roupagens diferentes, se encontra em todos os credos? O mesmo ocorre com a redução do trabalho missionário a simples atividades sócio-econômicas.

Tocamos em um assunto fundamental à nossa Fé. O Papa Paulo VI, em sua admirável Exortação Apostólica “Evangelii Nuntiandi” (nº 22) põe o dedo na chaga que tanto mal faz à Igreja: “Não existe verdadeira evangelização se não se proclamarem o nome, o ensinamento, a vida, as promessas, o reino e o mistério de Jesus de Nazaré, Filho de Deus”.

O Dia Missionário Mundial nos leva a refletir sobre o ônus de proclamar, em sua integridade, a Fé e a disciplina ensinadas pela Igreja. E o compromisso de não deixar que se acobertem com o nome de católico a disseminação, de doutrinas e interpretações contrárias ao ensinamento do Magistério. A responsabilidade pela vigilância cabe, de modo particular, como sagrado dever, aos Pastores. Preservar a pureza da missão é ser fiel aos ensinamentos de Cristo.

Cardeal Eugenio de Araújo Sales
Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio
Rio de Janeiro, 19 de outubro de 2001