Toda a beleza do coração humano se exprime nesta capacidade de amar. Mas aí reside, também, o rosto doloroso da aventura humana, a corrupção desse dinamismo de amor. Quanta profanação da palavra amor, que esconde o egoísmo, a insensibilidade, a incapacidade de ternura e de comunhão. No ser humano, enfraquecido pelo pecado, o seu coração precisa de ser redimido, para realizar a sua vocação de amor.
Já no Antigo Testamento é claro que o chamamento à aliança com Deus supõe a renovação do coração. Os profetas denunciam a corrupção e a dureza do coração, que torna os israelitas incapazes da aliança. Este povo tem um coração desviado e rebelde (Jr. 5,23), um coração incircunciso (Lv. 26,41), um coração mau (Jr. 7,24). Eles precisam de invocar Deus e Lhe pedir que lhes recrie um coração puro (Sl. 51,12). E esta é a grande promessa da redenção, a promessa de um coração novo. Eu derramarei sobre vós uma água pura e sereis purificados; de todas as vossas imundices e de todos os vossos ídolos. Eu vos purificarei. Dar-vos-ei um coração novo e porei em vós um espírito novo, tirarei da vossa carne o coração de pedra e dar-vos-ei um coração de carne. Porei o meu Espírito em vós e farei que caminheis segundo as minhas Leis (Ez. 36, 25-28).
Esta promessa de um coração renovado viabilizará a aliança como uma união de ternura e de amor: desposar-te-ei para sempre, desposar-te-ei na justiça e no direito, na ternura e no amor; desposar-te-ei na fidelidade e tu conhecerás o Senhor (Os. 2,21-22).
Jesus inicia a sua pregação por um convite à conversão do coração (Mc. 1, 15), fundamental para entrar na dinâmica do Reino. Jesus, o verdadeiro e definitivo coração novo, realiza entre o homem e Deus o amor radical e definitivo, a plenitude da aliança. Mas misteriosamente a expressão sublime desse amor novo é a Sua morte na Cruz, o seu Sangue derramado é o sinal da aliança definitiva, e na sua entrega Ele redime o nosso coração. No baptismo mergulhamos com Ele, na morte, para ressurgirmos com um coração novo. O caminho do amor-caridade voltou a ser possível, sabendo nós que no nosso caminho de amor encontramos sempre a exigência da Cruz.
O itinerário que nos leva do amor à caridade passa pela vivência do mistério pascal, porque todos os nossos dinamismos de amor precisam de ser purificados e redimidos. O caminho do amor não é fácil, tantas vezes significa aceitar morrer para viver, superar na renúncia e no sofrimento os instintos de facilidade a que nos conduz o nosso desejo de amar. O caminho do amor é o caminho da generosidade e da coragem.