A moça e o mendigo

Manhã de quarta-feira, mês de outubro.
O Sol vem rompendo a aurora e o clima é cem por cento primaveril.
Na padaria do bairro as pessoas compram o leite e o pão para o café enquanto alguns operários aguardam o ônibus que os conduzirá a mais um dia de trabalho. Sou mais um dos fregueses que diariamente visita a padaria para usufruir de suas benesses, embora tenha que pagar por isso.
Não me incomodo. Afinal, o que não se paga, existe ?

Levanto os olhos e contemplo uma cena singular: a balconista se desloca do seu posto de trabalho para atender a alguém que da calçada aguarda a sua generosa presença. É a hora e a vez do mendigo. Ela leva consigo um pedaço de pão e um copo de café. Agacha-se perante ele quase numa atitude de súdita diante da majestade.

Paradoxalmente, por um instante, um brevíssimo instante, o mendigo se sente rei.
A moça serve-lhe o café em sua caneca e entrega-lhe o pão. Ele sequer ergue os olhos, talvez envergonhado de sua condição. Mas sussurra algumas palavras. Pela leitura dos lábios, “Deus lhe pague” ou coisa parecida. O gesto da moça-balconista é pequeno por fora, mas grandioso, exuberante e colossal por dentro.

Uma balconista e um mendigo! De um lado, o trabalho, do outro, a miséria. Só o abraço da solidariedade permitiria o encontro dos dois mundos. Possivelmente a grandeza daquele instante tenha escapado à percepção da moça. Ela faz isto em todas as manhãs, e, como sabemos, a rotina esfria as relações interpessoais.

Um copo de café e um pedaço de pão não custam fortunas para um mundo movido por engrenagens capitalistas. Um copo de café e um pedaço de pão! Pouco ou quase nada para quem faz três refeições diárias. Para o mendigo, no entanto, aquilo era bastante. Para quem está habituado a viver do nada, o pouco torna-se imprescindível.

Na convicção da fé cristã o encontro entre a moça e o mendigo, não se esgota na brevidade do tempo em que ocorre. Há nele algo que transcende a sua lógica interna. A grandeza maior daquele gesto é antecipar a realização do reino de Deus, onde a fraternidade supera o egoísmo e a felicidade é bem mais que um copo de café e um pedaço de pão.