Muito se fala, no nosso tempo, que política e religião não se misturam. Normalmente, dizem isso para justificar as políticas públicas que violam a lei de Deus e atentam contra a vida e a família (como se o cristão devesse aceitar isso, resignado e passivo, pois estaria diante de uma situação aparentemente inevitável). Apoiam-se naquelas palavras de Cristo, quando Ele disputava com os fariseus: Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus (Mt 22,21). Cristo distingue, nessas palavras, dois poderes: o poder eterno e espiritual da Igreja; e o poder temporal e civil do Estado.

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A harmonia necessária entre o poder civil e o espiritual
Ainda que esses dois poderes sejam, de fato, distintos, eles não são separados: muito menos são isolados um do outro. Com efeito, diz o Papa Leão XIII na sua encíclica Immortale Dei: é próprio do Estado conduzir os homens à felicidade eterna e proporcioná-los todos os meios e condições para alcançá-la, estando assim o poder temporal numa relação distinta, mas harmoniosa com o poder da Igreja no seu governo espiritual dos homens. A influência da Igreja tenderá a cristianizar o poder temporal na medida do possível. Visará a impedir as atividades civis de sucumbirem ao mal e, certas vezes, ao erro.
Os problemas que a Igreja enfrenta ao longo dos séculos (como crises e perseguições) normalmente surgem da sociedade civil ou do governo civil. Na perseguição promovida pelo Império Romano, no início da Igreja, os cristãos eram jogados aos leões, eram mortos enquanto estavam pendurados em postes; eram queimados, como se fossem tochas humanas. E essa barbárie era feita pelo governo civil, que perseguia e condenava os que praticavam a religião cristã, a qual era proibida pelo Estado. Assim foi ao longo da história da Igreja. A Revolução Francesa, por exemplo, que ocorreu em 1889, queria obrigar o cidadão a fazer um juramento em uma nova constituição anticristã; e condenava e executava aqueles que se recusassem a prestar o juramento. Milhares de cristãos, mártires dessa Revolução promovida pelo novo governo civil morreram para permanecer fiéis a Cristo.
Perseguições recentes: o século XX
E também há exemplos do séc. XX, como a Guerra dos Cristeros no México, suscitada pela promulgação da Constituição de 1917 e a Lei Calles, que impuseram medidas antirreligiosas, e promoveram uma perseguição geral aos cristãos. Ou ainda a perseguição feita pelo comunismo ateu, cujos governos proibiram o culto religioso e perseguiram os cristãos: episódios lamentáveis que ainda hoje assistimos em diversos países do mundo.
Todas essas perseguições vieram do governo civil. E, como diz o Papa Leão XIII, se a influência da Igreja deve tender a cristianizar o poder temporal, e se ela deve tender a impedir que as atividades civis sucumbam ao mal, essa responsabilidade cabe a nós cristãos. Essa influência deve ser exercida pelos cristãos, sobretudo pelos leigos. Estes têm o dever, como uma forma de apostolado, de estarem atentos e vigilantes para cuidar dos rumos da sociedade civil, na medida do possível, e das capacidades de cada um. Essa influência vem, principalmente, pelos leigos, pois o clero possui outras ocupações: ao clero foi reservado o ofício sagrado; ao clero cabe o cuidado do poder eterno e espiritual; o clero se ocupa, principalmente, em meditar e nos apresentar aos mistérios da fé, em nos administrar os Sacramentos, atender os doentes, confessar e assim por diante. Então, se a Igreja deve tender a cristianizar o poder temporal, definitivamente essa tarefa deve ser exercida pelos leigos, que são também Igreja, e não pelo clero.
O fundamento do apostolado dos leigos no Concílio Vaticano II
E por essas razões, nos exorta o Decreto Apostolicam Actuositatem, do Concílio Vaticano II, em que diz sobre a importância do papel e do apostolado dos leigos na Igreja: Existe, na Igreja, diversidade de funções, mas unidade de missão. Aos Apóstolos e seus sucessores, confiou Cristo a missão de ensinar, santificar e governar em seu nome e com o seu poder. Mas os leigos, dado que são participantes do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo, têm um papel próprio a desempenhar na missão do inteiro Povo de Deus, na Igreja e no mundo. Exercem, com efeito, apostolado com a sua ação para evangelizar e santificar os homens e para impregnar e aperfeiçoar a ordem temporal com o espírito do Evangelho. Ora, essa ordem temporal se refere, principalmente, o poder civil.
Continua o decreto: Todas as realidades que constituem a ordem temporal – os bens da vida e da família, a cultura, os bens econômicos, as artes e profissões, as instituições políticas, as relações internacionais e outras semelhantes, bem como a sua evolução e progresso – não só são meios para o fim último do homem, mas possuem valor próprio, que lhes vem de Deus […]
Quanto aos leigos, devem eles assumir como encargo próprio seu essa edificação da ordem temporal e agir nela de modo direto e definido, guiados pela luz do Evangelho e a mente da Igreja e movidos pela caridade cristã; enquanto cidadãos, cooperar com os demais com a sua competência específica e a própria responsabilidade, buscando, sempre e em todas as coisas, a justiça do reino de Deus. A ordem temporal deve ser construída de tal modo que, respeitadas integralmente as suas leis próprias, torne-se, para além disso, conforme os princípios da vida cristã.
O combate à cultura da morte como apostolado leigo
E um dos grandes problemas que vivemos no nosso tempo, que é uma grande crise na Igreja e na sociedade civil, e tem sua raiz na sociedade civil, é o aborto e a cultura da morte. Existe toda uma agenda política internacional para promover o aborto e outros itens da cultura da morte, conforme exposto na Encíclica Evangelium Vitae por São João Paulo II. E é dever dos cristãos leigos estarem atentos a esse problema, engajarem-se e mobilizarem-se para impedir a sociedade civil de dar cabo a esses erros, principalmente unindo-nos numa “grande estratégia em defesa da vida”, como nos pede o Papa na mesma encíclica.
Atuar na política não é simplesmente ocupar um cargo eletivo, mas posicionar-se, conversar com as autoridades competentes, vigiar sobre legislações que promovam a cultura da morte, cooperar em formações que ensinem o valor da liberdade e da vida humana. Tudo isso é um grande apostolado, que é próprio dos leigos e tem uma razão de caridade. O amor aos não nascidos, aos mais indefesos, para que possam nascer e ter a dádiva da vida, para serem batizados e conhecer a Verdade e o Evangelho, é parte de um apostolado que é próprio dos leigos, em que podemos plenamente amar o próximo, como nos ensina o Cristo, para, em seguida, amar a Deus na oração, pois “se alguém não ama o próximo, a quem vê, como amará a Deus, a quem não vê?”
“A certeza da vida eterna não inibe o empenho pela construção de uma sociedade justa, fraterna, mais cristã e humana, nem suprime a exigência do cumprimento dos deveres de ordem temporal” disse Dom Fernando Rifan. Portanto, nós, leigos, temos um papel importantíssimo a cumprir na promoção da vida e na evangelização do mundo na sociedade civil, para que os homens possam alcançar a salvação pela Fé em Cristo e pela sua graça.
Por Marcus Vinicius da Silva Dias