Engana-se quem pensa que Cultura da Morte é um nome sofisticado para falar apenas de aborto, suicídio e eutanásia. Embora esses temas estejam em voga nas discussões das mídias e redes sociais, fica cada vez mais difícil para que um jovem, por exemplo, possa argumentar contra ou a favor dessas questões sem incorrer em graves equívocos.

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Sob a superfície, só se vê a ponta do iceberg
Faz-se necessário um mergulho na história, geopolítica, economia e na sociologia dessas coisas. Por que nações do mundo todo têm se encaminhado nesta mesma direção?
Para entender melhor o grande desafio do combate à Cultura da Morte, sem fazer uma análise meramente superficial e sem passar a vida a “apagar incêndios” que aparecem cada vez mais, vale voltar à reflexão que fez, ao longo de seu pontificado, o santo homem que cunhou este termo.
O Papa São João Paulo II, como já publicado em outro artigo, nos deixou grande tesouro como legado: entre outros tantos documentos está a Encíclica Evangelium Vitae – O Evangelho da Vida – em que não poupa esforços para nos mostrar que somente uma Civilização do Amor é que poderá vencer a avassaladora Cultura da Morte.
O declínio de uma sociedade católica
Quando se fala em Civilização do Amor, o termo pode soar romântico, até utópico, como alguém poderá pensar. Acontece que, ao olhar com seriedade para o problema que nos é apresentado, não há outra saída, pois estamos sob uma avalanche devastadora e já podemos olhar ao nosso redor sem encontrar muitos vestígios do que foi uma sociedade católica, por assim dizer.
As roupas que as pessoas usam, os hábitos que têm, a forma como se relacionam, o tempo dedicado ao trabalho, as coisas que são ensinadas nas escolas, a configuração das “famílias”… nada disso parece ser católico mais. Se alguém decide ter uma vida séria de oração e estudos e ainda manter uma família aberta à vida, depara-se com uma tarefa praticamente impossível, pois o salário ganho se esvai quase todo no supermercado ao tentar realizar a compra do mês. Tal pessoa acaba se vendo obrigada a trabalhar mais e mais para sobreviver, e assim não sobra tempo para rezar, muito menos estudar. As crianças têm que ficar na mão das escolas que estão ensinando “como adquirir competências e habilidades” para trabalhar mais e mais!
A cultura da morte como causa subjacente
Vejam que ainda não falamos diretamente de aborto e eutanásia, mas a Cultura da Morte é responsável por tudo isso e precisamos ajudar as pessoas a entenderem o porquê.
Na década de 50 do século passado Mr. Rockefeller III cansou de tentar convencer os demais dirigentes da Fundação a dedicarem-se aos problemas demográficos e acabou por fundar o Population Concil (Conselho Populacional), entidade que vai se tornar a grande força propulsora do controle de natalidade mundo a fora. A iniciativa não era isolada. Outros grupos discutiam o assunto – chegando a propor o “Crescimento Populacional Zero” – e acabaram por ser articulados e financiados. Foi assim que começaram a surgir, novas tecnologias contraceptivas (camisinhas modernas, anticoncepcionais, pílulas do dia seguinte), fábricas de DIU (instaladas principalmente em países subdesenvolvidos), esterilizações em massa e, sobretudo, a legalização do aborto em diversas nações.
Menos de duas décadas depois, porém, um sociólogo envolvido diretamente neste trabalho publicou um artigo na revista Science, no qual provocava Mr. Rockefeller e companhia limitada a refletir sobre o que tinham feito até então. O que ele escreveu foi de tamanha importância que, sem que ninguém percebesse, mudou os rumos deste trabalho até hoje, e impulsionou as mudanças sociais mais drásticas das últimas décadas.
Seu nome era Kingsley Davis e o que ele fez foi perceber que não adiantava “oferecer” o aborto e a contracepção às mulheres se elas não mudassem de mentalidade e, ainda, se não fossem promovidas mudanças sociais que as condicionassem a tal.
“Mudanças suficientemente básicas para afetar a motivação de ter filhos seriam mudanças na estrutura da família, no papel das mulheres e nas normas sexuais.”
A engenharia social por trás do trabalho feminino
Ao analisar o cerne do problema que ele enxergou, já aponta: “Um método estreitamente relacionado para se retirar a ênfase dada à família seria a modificação da complementaridade dos papéis do homem e da mulher. (…) Para modificar esta situação, poderia ser exigido que as mulheres trabalhassem fora de casa ou fazer com que fossem compelidas a isto pelas circunstâncias.”
Curioso como isto e outros apontamentos feitos na década de 60 correspondem exatamente ao que foi acontecendo de lá pra cá. E nós mulheres achando que somos muito originais ao buscar essa ou aquela carreira profissional, em querer adiar o casamento para depois dos 30 e ainda ter pets no lugar de filhos! Nem passou pela nossa cabeça quem estaria financiando os movimentos sociais que lutaram por tais mudanças?
“O adiamento do matrimônio para além dos 20 anos tende biologicamente a reduzir os nascimentos. Sociologicamente, dá às mulheres tempo para obter uma melhor educação, adquirir interesses não relacionados com a família e desenvolver uma atitude cautelosa com relação à gravidez.”
A nova fachada: direitos da mulher e educação sexual
Mr. Rockefeller III demorou pouco tempo para perceber que Davis estava certo e, em breve, o trabalho seria todo reorientado para a defesa do Direito das Mulheres, a Igualdade de Gênero, a Educação Sexual nas escolas, entre outras bandeiras. Esta última em particular aproveitou-se de uma mudança profunda que estava havendo nas instituições de ensino, que passaram do ensino clássico para o profissionalizante e ideológico, mediante avaliações que obrigaram as escolas a implantar sistemas de ensino padronizado.
De fato, o avanço dessas ideias não somente provocou tal desastre social, como desembocou necessariamente numa relativização das convicções pessoais, a ponto de muitas pessoas agora defenderem aborto, eutanásia, suicídio assistido, sem o menor pudor, esquecendo-se da sacralidade da vida, que deve ser protegida desde a concepção até o seu ocaso natural.
Um chamado à ação pessoal pela verdade e pela vida
A Civilização do Amor começa a germinar quando, ao darmo-nos conta dessa triste realidade, percebemos que somente unidos Nosso Senhor Jesus Cristo seremos capazes de vencer essa batalha. Entendemos então que esta união vem do nosso progresso na vida de oração. Parecemos ter mudado de assunto, mas não: o combate à Cultura da Morte começa dentro de nós, quando nos propomos a vencer os empecilhos para que a Palavra de Deus caia no terreno fértil do nosso coração.
De maneira concreta, ao terminar a leitura deste texto e dar-se conta de tudo isso, você também é chamado a buscar a Verdade: frequentando os sacramentos, levando uma vida de oração séria e encontrando, no estudo, a maneira de abrir também os olhos de outras pessoas. Defender a Vida não é tarefa de um grupo seleto de estudiosos ou ativistas, mas de todos nós!
Por Camila Gil
Referências Bibliográficas:
CRITCHLOW, Donald T. Segundas Intenções – A Cultura da Morte e o Governo Americano. Ed. CDB, Rio de Janeiro, 2019.
DAVIS, Kingsley. Population Policy: Will Current Programs Succeed? University of Califórnia, Berkeley, 1967. Dísponível em: < https://www.jstor.org/stable/1723056> Acesso em: 25 de setembro de 2025.
LIONNI, Paolo. A conexão de Leipzig. Vide Editorial, Campinas, 2020.
SANAHUJA, Mons. Juan Claudio. Cultura da Morte: o grande desafio da Igreja. Ed. Katechesis, São Paulo, 2014.
SPRING, Joel. Como as corporações globais querem usar as escolas para moldar o homem para o mercado. Vide Editorial, Campinas, 2018.