Compreenda e reflita sobre a microcefalia devido à infecção pelo vírus da Zica
A liberação do aborto, em casos de bebês com microcefalia devido à infecção pelo vírus da Zika, durante a gestação, está prevista para ser votada nos próximos dias pelo Supremo Tribunal Federal. A Advogacia Geral da União e o Senado já manifestaram pareceres contrários a essa liberação.
Você já deve ter ouvido bastante coisa sobre o Zika vírus. Essa novidade trazida pelo mosquito Aedes Aegypti ainda é um mistério, inclusive, para a comunidade científica, que foi pega “de calças curtas”, no fim de 2015, tendo que dar respostas à sociedade, por meio da imprensa, sobre as consequências graves e ainda muito novas, sem comprovação imediata, da infecção por meio desse vírus.
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É fato que o Zika vírus pode trazer consequências graves para quem tem contato com ele. Já se comprovou também a correlação entre gestações acometidas pelo vírus e o nascimento de bebês com microcefalia, síndrome de Guillan Barré e outras complicações neurológicas.
A microcefalia tem vários níveis
Antes mesmo dessa confirmação, vários ativistas levantaram a necessidade de se liberar o aborto no Brasil em casos de Zika durante a gestação. Afinal, como lidar com um bebê que não vai ser perfeitinho? Alguém que pode viver apenas algumas horas ou anos e anos sem conseguir ser independente “merece” viver? Há certo caráter de eugenia na possível aprovação do aborto nestes casos, pois é como se nossa sociedade só comportasse indivíduos perfeitos física ou neurologicamente; então, seguindo essa lógica perversa de construção de um mundo sem pessoas com deficiência, o melhor seria eliminá-los antes do nascimento.
Esse raciocínio simplista está equivocado, a começar pelo fato de que a microcefalia tem vários níveis, uns mais avançados outros nem tanto, e não há um “prazo de validade” definido previamente para aquele ser em gestação.
Há, inclusive, relatos de gestantes que contraíram o Zika vírus e cujos bebês nasceram saudáveis. Como definir e selecionar, então, durante a gestação, quais bebês abortaríamos, quais permitiríamos viver, se o diagnóstico só é possível por volta do quinto mês de gravidez?
Um colega querido contou que seu bebê, uma menina linda e saudável, só chegou aos 33 cm de perímetro cefálico no último ultrassom (bebês com microcefalia nascem com a cabecinha menor, e este é talvez o sinal mais visível da doença) . Além disso, se hoje já existem, em nosso meio, várias crianças, adolescentes e adultos com microcefalia contraída bem antes dessa epidemia provocada pelo Zika vírus, como eticamente conviver com essas pessoas, não permitindo a vida de bebês que nasceram com as mesmas deficiências? Outras infecções, inclusive, podem levar à microcefalia, tais como a sífilis, toxoplasmose, rubéola, herpes, situações de saúde igualmente dramáticas, mas para nenhuma deles se prevê o aborto.
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Vida e dignidade da mulher
Minha argumentação também vai ao encontro da vida e dignidade de cada mulher.
O Estado brasileiro comporta-se, sob meu ponto de vista, de maneira bastante omissa quando tenta jogar nas costas (e na consciência) da mulher a decisão de escolher interromper uma gestação, pois será ela, sozinha, quem arcará com as consequências dessa escolha. Sim, a mulher pobre, sem acesso a saneamento básico adequado, que vive em condições onde o mosquito se prolifera mais, por exemplo, é a ela que o Estado vai delegar essa “escolha”; sem levar em conta que, após o aborto, ela continuará com a mesma vida, desassistida pelo Estado, sujeita a desenvolver vários problemas psicológicos. A situação insalubre do ambiente em que essa mulher vive e que ocasionou o contato com o mosquito que transmite o Zika vírus também continuará lá. No entanto, esse mesmo Estado já fez a parte dele ao liberar o aborto. Agora, o problema é só da mulher!
Ninguém fala que um aborto pode comprometer para sempre a vida reprodutiva daquela mulher, tampouco se explicam as consequências psicológicas para ela e sua família.
Estudo publicado no British Journal Of Psychiatry, em 2008, mostra que houve aumento de 30% nos transtorno mentais, tais como depressão, ansiedade, ideias suicidas, dependência de álcool e drogas ilícitas nas mulheres que realizaram aborto. Uma revisão de vários estudos, publicada em 2013, no periódico Psychiatry and Clinical Neurosciences, confirma esses dados, trazendo diferentes pesquisas que comprovam o risco maior de desenvolver, pelo menos, um desses transtornos mentais.
O Breast Câncer Prevention Institute já apresentou parecer alertando para a maior probabilidade de desenvolvimento de câncer de mama por mulheres que já abortaram. Mais recentemente, o Colégio Americano de Pediatras apresentou, em 2016, os riscos para as gerações futuras daquela mãe, como a prematuridade extrema, baixo peso ao nascer, aumento da infertilidade e aumento do aborto espontâneo. Você, querido leitor e leitora, pode até me dizer que está ciente disso tudo, mas será que todas as brasileiras estão?
É preciso, portanto, ampliar o debate e falar sobre promoção da saúde das mulheres antes de se falar de aborto. O Estado brasileiro precisa garantir o direito à saúde no seu patamar mais básico, com investimento em saneamento, água potável e melhoria do diagnóstico; capacitando, cada vez mais, as equipes de saúde, com distribuição de repelentes e até oferecendo a estimulação precoce das crianças nascidas com essa e outras síndromes; investindo em educação e comunicação em saúde.
Apresentar o aborto como método contraceptivo significa a desistência do Estado na luta pela melhor qualidade de vida das mulheres mais necessitadas, ao assumir que as possibilidades de transformar o entorno daquela mulher foram esgotadas.
Testemunho de pais de bebê com microcefalia
Recentemente, conheci uma família do interior da Paraíba, da primeira geração dos bebês que nasceram com microcefalia. Eles passaram por uma série de negligências do Estado durante a gravidez, e só souberam da doença depois do parto. Eles relataram que nunca, nunca mesmo, abortariam, mesmo se soubessem desse diagnóstico com antecedência. Pude olhar nos olhos daquele pai, daquela mãe, e ver o bebezinho em seu colo. Vi o afeto do irmão mais velho e percebi o amor e o cuidado não em menor medida, como observável nas mães ávidas por divulgar cada passo de seus filhos aparentemente saudáveis nas redes sociais.
Aquela família de poucos recursos, de fala mansa e muito batalhadora, deu-me a certeza de que é possível uma vida digna, mesmo com a microcefalia. Em meus contatos com pesquisadores da saúde que defendem o aborto, chama-me à atenção a frieza com que parte deles, mesmo conhecendo diretamente as famílias e esses bebês, tratam do tema com a frase: “É a vida deles, não a minha”.
Penso que, mesmo não sendo a minha vida, é impossível não se compadecer com a vida das mulheres e seus bebês com microcefalia. No Brasil, dos mais de 9,5 mil casos notificados, apenas 20% foram confirmados como Zika vírus. Em meio a essa incerteza, garantir o aborto para gestantes com o vírus é, aos poucos, garantir um Estado eugênico, que vai matar milhares de crianças com e sem deficiência.
No Brasil, o aborto é permitido em caso de risco de vida da gestante, quando resultante de estupro e, mais recentemente, em casos de anencefalia comprovada (ou tendo o feto anomalias graves e incuráveis que inviabilizem a vida após o nascimento) – o que não é o caso de bebês com microcefalia. Aliás, não há nem o que comparar, pois bebês com microcefalia apresentam comprometimentos motores e cognitivos, mas não configura uma inaptidão à vida em sociedade.
No fim de novembro, a 1ª turma do Supremo Tribunal Federal (STF), composta pelos ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Edson Fachin, decidiu pela não criminalização do aborto cometido em até três meses de gestação. A decisão é para um caso específico, mas, infelizmente, pode ser seguida por outros juízes brasileiros.