Desde a mais remota antigüidade a velhice marca sua presença em todas as culturas. Grande também é a variedade no tratamento ao ancião, conforme os valores que lhe são atribuídos. Vários fatores contribuem para maior ou menor reconhecimento da importância dessa faixa etária no interior dos lares, na família e na sociedade.
Com o progresso nunca visto antes, desde o aparecimento do ser humano em nosso planeta, a média de vida tem atualmente alcançado cifras antes consideradas extraordinárias. O mesmo se diga da mentalidade nas diversas faixas etárias. A conseqüência é, naturalmente, o crescimento do número de idosos.
O comportamento diante dos anciãos é fortemente afetado por uma concepção que põe em primeiro lugar o bem-estar do indivíduo – a explosão do egoísmo – uma visão que nasce exclusivamente da capacidade produtiva, avaliada em critérios econômicos, desprezando a contribuição moral. A eficácia material se antepõe a um julgamento que toma em consideração a dignidade do ser humano, imagem de Deus, em qualquer estágio de sua existência. O elevado conceito atribuído ao idoso depende, em grande parte, da influência que é dada ao Evangelho de Jesus Cristo em nossa sociedade. Dentro dessa perspectiva contemporânea, eis que surge, entre tantos documentos pontifícios de significativa relevância, uma extensa carta de João Paulo II, com data de 1º de outubro de 1999. Esta foi anunciada pelos meios de comunicação social de maneira bem inferior à sua importância. Tratava-se da “Carta aos Anciãos”, endereçada “aos meus irmãos e irmãs anciãos”. Em uma imensa diocese, como a do Rio, onde, com uma juventude numerosa e vibrante, elevado é o número dos que já ultrapassaram o habitual nível de vida em décadas passadas. Esse documento merece atenção especial e ampla divulgação de seu conteúdo. Por isso, volto hoje a esse assunto que já comentei anteriormente.
O saudoso Santo Padre a nós se dirigiu nestes termos: “Sendo também eu ancião, senti o desejo de estabelecer um diálogo convosco. Faço-o, antes de mais, dando graças a Deus pelos abundantes dons e a oportunidade que Ele me concedeu até hoje”. Justificou sua iniciativa de maneira extraordinariamente bela e comovente: “Meu pensamento dirige-se, com efeito, a vós, caríssimos anciãos, de qualquer língua e cultura. Escrevo-vos esta carta no ano que a Organização das Nações Unidas quis oportunamente dedicar aos anciãos, para chamar a atenção da sociedade inteira para a situação daquele que, pelo peso da idade, deve, com freqüência, enfrentar problemas numerosos e difíceis” (nº 1).
Disse ainda o Sumo Pontífice que “tentar uma espécie de balanço é espontâneo em nossa idade” (nº 2). Ele se referia a idosos e, portanto, a pessoas em cuja vida havia muita analogia com a sua, enumerando luzes e sombras. E concluiu: “Nem tudo foi escuridão. Muitos aspectos positivos compensaram o negativo ou dele surgiram, como uma benéfica reação da consciência coletiva” (nº 3). Considerou um grande dom de Deus o fato de as religiões estarem a tentar, sempre com maior determinação, um diálogo que as torne elemento fundamental de paz e de unidade no mundo. Aliás, essa sua Carta aos Anciãos não foi endereçada exclusivamente aos católicos, mas a todos os homens de idade avançada, independentemente de sua crença religiosa.
Na sociedade moderna, que tudo julga pelo nível da produtividade imediata, é muito útil refletir sobre o valor dessa idade à luz da Sagrada Escritura, que nos transmite “uma visão muito positiva da vida” (nº 6) em qualquer fase, pois o homem permanece sempre criado à imagem de Deus (Gn 1,26). Aí está a raiz da dignidade da criança, do jovem, do adulto e do ancião. A benevolência com Abraão e Sara faz ressaltar o privilégio da ancianidade. Moisés já é idoso quando lhe é confiado por Deus o mandato de libertar seu povo. O Precursor de Jesus, João Batista, nasce de um casal “de idade avançada” (Lc 1,18). Maria e José levam o Menino ao Templo de Jerusalém e aí encontram o velho Simeão e Ana, viúva de 84 anos; nestes dois personagens podemos homenagear tantos idosos que ajudam em nossas igrejas. No momento da sepultura, é um homem já idoso que lá se encontra, Nicodemos (Jo 19,38-40) pois “o serviço do Evangelho não é questão de idade” (nº 7). Paulo, dirigindo-se a Tito, expõe o comportamento dos anciãos e anciãs seguidores de Cristo (Tt 2,25).
O Papa João Paulo II concluiu que a velhice constitui a etapa definitiva da maturidade humana e é a expressão da bênção divina (nº 8). Ela é guardiã da memória coletiva, intérprete privilegiada do conjunto de ideais e valores humanos que mantêm e guiam a convivência social. Diante dessas verdades e do mandamento divino “Honra teu pai e tua mãe”, a interdependência e solidariedade, que ligam entre si as gerações, são fatores importantes para o bem individual e social. Em conseqüência, os velhos não são peso inútil e incômodo (nº 9 a 11).
O Levítico (19,32) nos ensina: “Levanta-te perante uma cabeça branca e honra a pessoa do ancião”, dando-lhe acolhimento, assistência e valorizando suas qualidades.
O peso dos anos não é incompatível com uma perene juventude.
A constante perspectiva da eternidade infunde no ser humano valiosos sentimentos que contrabalançam o corolário de uma existência avançada. O testemunho de uma boa consciência, iluminada pela Fé cristã, é de grande importância, à medida que transcorrem os dias. Todos conhecemos exemplos eloqüentes de anciãos com uma surpreendente juventude e força de espírito … Possa a sociedade valorizar plenamente os anciãos que, em algumas regiões do mundo, são estimados justamente como “bibliotecas” vivas da sabedoria” (nº 12).
O Papa João Paulo II terminou sua Carta aos Anciãos com palavras de esperança: “Apesar das lamentações devidas à idade, conservo o gosto pela vida (…) É belo poder gastar-se até ao fim pela causa do Reino de Deus”.