Como cristãos precisamos defender a vida e não o aborto
Toda discussão sobre o aborto repousa em uma dúvida aparente: o feto é pessoa ou não? Na verdade, a resposta a essa pergunta define se o aborto é uma cirurgia de uma parte acessória do corpo da mulher ou um homicídio praticado contra um inocente sem capacidade alguma para defesa (o crime mais hediondo a ser imaginado).
Para os defensores do aborto, o feto não pertence à espécie humana, mas seria um amontoado de células. Por essa razão, extirpá-lo do corpo da mãe não envolveria uma questão moral, isto é, uma concepção sobre o que é bom ou mal, mas uma questão de saúde.
A afirmação de que o feto não é pessoa, ou seja, não pertence à espécie humana, obriga-nos a refletir sobre o conceito de espécie. Podemos dizer que três elementos combinados determinam se dois seres pertencem a uma mesma espécie: (1) características fundamentais comuns, (2) que são adquiridas desde a sua concepção e que (3) não podem ser separadas. Podemos olhar para dois cachorros e percebermos que eles (1) compartilham determinadas características fundamentais, (2) essas características não foram “adicionadas” a eles em um determinado momento de sua existência, mas os acompanham desde a concepção e (3) não podem ser retiradas dos cachorros, isto é, acompanhar-lhes-ão até o fim de suas existências.
A importância do conceito de espécie para a questão do aborto é que nós não podemos decidir “a partir de quando” um ser pertence a uma espécie; podemos apenas reconhecer “se” ele pertence ou não a uma espécie. Uma lei que dissesse que “cachorros com mais de dez anos não são mais cachorros, portanto, podem ser maltratados” causaria estranheza e ofenderia a nossa racionalidade, pois nossa inteligência percebe que a espécie de um ser é definitiva e não está sujeita à nossa decisão. Se eu digo que, a partir de um momento, um cachorro é um gato, isso pode até fazer com que eu seja considerado um louco, mas não o transforma em um gato.
Cada um de nós, que pertencemos à espécie humana, somos assim desde que fomos concebidos. Não aconteceu nada de novo em alguma fase da nossa trajetória. Os que dizem que o feto somente é pessoa “a partir de…” querem que acreditemos que, antes desse momento (“as doze semanas”, “a formação do sistema nervoso central”, etc), éramos outra coisa que não pessoas (talvez tomates ou berinjelas).
Esse argumento já foi utilizado em outros momentos da história humana. Os nazistas, dispostos a exterminar judeus, ciganos, pessoas com deficiência, entre outros, construíram uma argumentação esquizofrênica segundo a qual os seres pertencentes a esses grupos não pertenciam à espécie humana. Hoje, temos a certeza de que essa concepção era uma loucura completa, mas não podemos esquecer que ela foi aceita e compartilhada por muitos, e os efeitos dessa crença irracional causaram uma das mais dolorosas feridas à existência humana.
A pretensão de decidir “a partir de quando” ou “até quando” alguém é pessoa humana é um dos maiores riscos a que uma sociedade pode ser exposta, pois ela contraria uma das maiores conquistas alcançadas pela história humana: o reconhecimento da dignidade da pessoa humana. Ao utilizarmos essa expressão, queremos dizer que devemos um respeito fundamental a cada ser humano simplesmente porque ele pertence à espécie humana, independente de qualquer outro critério (raça, cor, nacionalidade, idade, etc).
Quando, no entanto, pretendemos definir, por leis ou convenções, em que circunstâncias alguém é pessoa, esvaziamos completamente o conceito de dignidade da pessoa humana, pois, de que adianta reconhecermos que ela tem direitos (pelo simples fato de ser pessoa), se podemos decidir quem é pessoa?