Devemos defender e combater a sacralidade da vida
Com o intuito de dar mais um passo em favor do aborto, grupos organizados, através do Legislativo, reacendem a luta para eximir do crime de homicídio a quem retira a vida de um ser humano: morte de embriões indefesos. Dá-se lugar a uma falsa laicidade para negar à Igreja e seus fiéis o direito de combater pelo sagrado dever de defender a vida, de modo especial dos nascituros, e denunciar o falso direito de sacrificar o feto, alegando o eventual risco da mãe ou deformação do nascituro. A sociedade brasileira e suas tradições estão aterrorizadas por interpretações inaceitáveis.
Um sacerdote, que, no cumprimento de sua missão pastoral, busca, por meios pacíficos, evitar a morte de um ser, é ameaçado de prisão. Um outro o é também por ter denominado de abortista a quem faz o aborto. Acusa-se a Igreja de intromissão indevida em pretensos assuntos que seriam privativos do Estado.
O Concílio Vaticano II, na Constituição “Gaudium et Spes” (nº 76), diz: “A Igreja que, em razão da sua missão e competência, de modo algum se confunde com a sociedade nem está ligada a qualquer sistema político determinado, é, ao mesmo tempo, o sinal e salvaguarda da transcendência da pessoa humana. Cada uma, comunidade política e Igreja, são independentes e autônomas. Mas, embora por títulos diversos, ambas servem à vocação pessoal e social dos mesmos homens. E tanto mais eficazmente exercitarão este serviço para bem de todos, quanto melhor cultivarem, entre si, uma sã cooperação, tendo igualmente em conta as circunstâncias de lugar e tempo”.
Por ocasião do centenário, na França, da lei de separação entre Igreja e Estado, datada de 1905, o Papa João Paulo II dirigiu uma carta aos Bispos da França. Comentava o restabelecimento diplomático entre o Vaticano e aquele País. O Estado é leigo, mas é composto de seres humanos que devem seguir sua consciência, formada por princípios, fundamentados na lei natural. E, se membros da Igreja, também na lei divina. Esse ensinamento de Jesus o cristão o preserva até o fim dos tempos. Quando existe um respeito mútuo, há a “legítima e sadia laicidade” que não se confunde com “um tipo de laicismo ideológico ou de separação hostil entre as instituições civis e as confissões religiosas” (Exortação Apostólica Ecclesia in Europa, nº 117).
Uma valiosa contribuição a esse assunto, encontramos no discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé, por ocasião da tradicional apresentação de bons votos para o Ano Novo, a 12 de janeiro de 2004. Dizia o Santo Padre João Paulo II aos Embaixadores: o princípio da laicidade, é em si mesmo legítimo quando é compreendida como distinção entre a comunidade política e as religiões. Todavia, distinção não quer dizer ignorância! Laicidade não é laicismo! Ela não é senão o respeito por todos os credos por parte do Estado, que assegura o livre exercício das atividades cultuais, espirituais, culturais e caritativas das comunidades dos crentes.
Numa sociedade pluralista, a laicidade é um lugar de comunicação entre as diferentes tradições espirituais e a nação. Pelo contrário, as relações Igreja-Estado podem e devem dar lugar a um diálogo respeitoso, portador de experiências e de valores fecundos para o futuro de uma nação. Um diálogo sadio entre o Estado e instituições religiosas, não são concorrentes, mas colaboradores, pode, sem dúvida, favorecer o desenvolvimento integral da pessoa humana e a harmonia da sociedade.
Para facilitar a compreensão, tomemos um caso concreto, hoje vivido em nosso país. Pela legislação vigente, promover aborto constitui um crime. Pelas leis da Igreja, quem assim procede, comete uma falta grave que acarreta a excomunhão da comunidade eclesial, também para os cooperadores do aborto.
No Brasil, há separação entre Igreja e Estado. O Estado como tal é leigo, mas não é laicista. Assim o cidadão deve seguir sua consciência, formada pelos ensinamentos de Jesus que foram confiados ao Magistério Eclesial.
A Igreja na sua missão não está sujeita ao Estado. A Congregação para a Doutrina da Fé em sua “Nota doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política”, de 24 de novembro de 2002 diz: “A Igreja não pretende exercer um poder político nem eliminar a liberdade de opinião dos católicos em questões contingentes. Entende, ao invés como é sua função própria instruir e iluminar a consciência dos fiéis, sobretudo dos que se dedicam a uma participação na vida política, para que o seu operar esteja sempre ao serviço da promoção integral da pessoa e do bem comum. Assim o ensinamento social da Igreja não é uma intromissão no governo de cada País. Não há dúvida, porém, que põe um dever moral de coerência de cada fiel leigo, no interior da sua consciência, que é única e unitária”. Insiste que não há na vida dois caminhos paralelos, um da chamada “vida espiritual”, outro da “vida secular”, ou seja, família, trabalho, empenho político e cultura. A consciência é formada à luz do Evangelho.
Um Estado leigo, mas não laicista, tem um diálogo sadio com todos os credos religiosos e assegura o bem-estar de uma Nação. O discurso do Papa João Paulo II ao embaixador do México junto à Santa à Sé, Javier Moctezuma Barragán, a 24 de fevereiro de 2004 traz luzes a essa matéria: “Não se deve ceder às pretensões de quem, amparando-se em uma errônea concepção do princípio de separação Igreja-Estado e no caráter do Estado, tenta reduzir a religião à esfera meramente privada do indivíduo”.
Concluo, com as palavras do Papa Bento XVI no discurso ao novo embaixador do México junto à Santa Sé, a 23 de setembro de 2005: “Em um Estado leigo são os cidadãos que, no exercício de sua liberdade, dão um determinado sentido religioso à vida social”. (…) “Um Estado moderno há de servir e proteger a liberdade dos cidadãos e também a prática religiosa que eles elejam sem nenhum tipo de restrição ou coação”.