A presença da Virgem Maria nos ajuda a compreender o papel da mulher na Igreja
Para compreender melhor o papel e a missão da mulher na Igreja, voltemo-nos para a vocação da Santíssima Virgem Maria, a Mãe de Deus. Nossa Senhora está na origem do Cristianismo, porque ela é a Mãe de Cristo, Cabeça da Igreja1. A figura feminina de “Maria oferece à Igreja o espelho em que esta é convidada a descobrir a sua identidade, bem como as disposições do coração, as atitudes e os gestos que Deus dela espera”2. O exemplo singular de “Maria, com as suas disposições de escuta e acolhimento, de humildade, fidelidade, louvor e espera coloca a Igreja na continuidade da história espiritual de Israel”3. Embora essas sejam atitudes que deveriam ser típicas de todo o batizado, na realidade é típico da mulher vivê-las com especial intensidade e naturalidade.
Por suas disposições naturais e mais intensas para a escuta, para o acolhimento, a humildade, a fidelidade, o louvor e a espera, “as mulheres desempenham um papel de máxima importância na vida eclesial, lembrando essas disposições a todos os batizados e contribuindo de maneira ímpar para manifestar o verdadeiro rosto da Igreja, esposa de Cristo e mãe dos crentes”4. Nessa perspectiva, compreendemos que o fato da ordenação sacerdotal ser exclusivamente reservada aos homens5, não impede que as mulheres tenham acesso ao coração da vida cristã. Como a Virgem Maria, as mulheres são chamadas a ser modelos e testemunhas insubstituíveis para todos os cristãos de como a Esposa, que é a Igreja, deve responder com amor ao amor do Esposo, que é Cristo.
A Igreja já está presente na Encarnação do Verbo6, porém ainda não em sua forma institucional, com a sua hierarquia, sua doutrina, suas leis. “Em Maria a Igreja já assumiu a figura corpórea antes de estar organizada em Pedro”7. Como Maria, a Igreja é, desde o princípio, mãe, e tem como missão realizar essa maternidade, ou seja, gerar os filhos de Deus. Por isso, a Igreja é essencialmente feminina, no sentido que é esposa e mãe, por isso deve abrir-se ao Espírito Santo para que aconteça a geração dos filhos de Deus, principalmente nos sacramentos. A Virgem de Nazaré é modelo e figura da Igreja não somente enquanto imagem que se deva contemplar, mas é a sua plena realização. “A essência da Igreja é ‘mariana’”8, por isso, antes de ser instituição organizada, sua primeira missão é ser de Maria.
Esse ser mariano, marcado pelo ser esposa e mãe, revela à mulher a sua importância na Igreja. Maria está na origem da Igreja, é o modelo, desde o início de sua missão, de cooperar no mistério da salvação, que teve início na Anunciação9. Por isso, na constituição eclesial, a Virgem de Nazaré precede todos os outros membros, inclusive o próprio Pedro e os apóstolos. “’O perfil mariano (da Igreja) é anterior ao petrino […] e é mais elevado e proeminente, mais rico em implicações pessoais e comunitárias.’ O princípio mariano é, em vários aspectos, mais fundamental do que o princípio petrino. Isso significa que crer é mais importante que desempenhar um ministério na Igreja”10.
O princípio petrino é vivido pelo Papa e pelo colégio apostólico, com o auxílio dos presbíteros e diáconos, que dóceis à ação do Espírito Santo, permitem que o Protagonista da missão governe a Igreja por meio deles. Por sua vez, o princípio mariano reúne em si os fundamentos que sustentam a santidade da Igreja, pois é sempre uma porta aberta para o Espírito Santo. “O perfil mariano é vivido por todos os fiéis, todos os carismas, todos os profetas, todo o amor que se derrama no mundo, quando se vive a Palavra […], quando se deixa atuar o Espírito que move o coração dos fiéis. Não se trata de dois polos em tensão, de dois aspectos a serem equilibrados ou de duas realidades dialéticas”11. Não são duas realidades opostas, mas são dois rostos concretos que se querem, se servem e se necessitam. São dois rostos que se olham no único olhar de Cristo, que deu a vida por eles, e pelo qual também eles estão dispostos a dar a vida. “O mundo tenta arrancá-los da Igreja para que seja mais uma estrutura de poder, sem Maria; ou para que seja uma corrente de entusiasmo à deriva, sem Pedro”12.
A maternidade e a virgindade, que são garantia da fecundidade eclesial, nos ajudam a compreender que “a Igreja, no seu núcleo perfeito, deve ser designada como feminina”13. Desde o Antigo Testamento, o Povo de Deus está diante de YHWH descrito na pessoa feminina da noiva ou da esposa14. A Igreja da Nova Aliança, na sua relação com Cristo15, está à espera do desponsório, nas núpcias escatológicas entre o Cordeiro e a Esposa adornada para a festa16. “Esta feminilidade da Igreja é a realidade englobante (que diz respeito a toda a Igreja), enquanto o ministério assegurado pelos apóstolos e seus sucessores masculinos é mera função no interior desta realidade englobante. Essa relação devia ser olhada com muito mais atenção quando hoje se desenvolvem discussões sobre uma eventual participação da mulher no ministério sacerdotal. Vistas as coisas mais profundamente, a mulher renunciaria, com uma tal mudança, a um ‘mais’ por um ‘menos’”17.
A Virgem Maria é modelo de vida de missão para todos os cristãos, especialmente para as mulheres e para os chamados à vida consagrada. Nossa Senhora é protótipo, o primeiro modelo que a mulher pode contemplar para encontrar seu lugar e a sua missão na Igreja. A Virgem é também modelo dos movimentos eclesiais e o caminho que conduz ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso. A Mãe de Deus “é aquela que pode fazer com que o Cristianismo supere o risco imperceptível de tornar-se inumano e que a Igreja supere o perigo de se tornar uma função, sem alma”18. Sem este perfil mariano, “o Cristianismo ameaça desumanizar-se inadvertidamente. A Igreja torna-se funcionalística, sem alma, um fábrica febril incapaz de deter-se, perdida em projetos ruidosos”19. Em vista de sua missão, “resgatar a marianidade talvez seja o grande desafio da Igreja do Terceiro Milênio”20 e, nesta tarefa, a mulher tem um papel fundamental.
Nossa Senhora, Mãe da Igreja, rogai por nós!
Referências:
1. Cf. Ef 1, 22; 5, 23; Cl 1, 18.
2. RATZINGER, Joseph. Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre a colaboração do homem e da mulher na Igreja e no Mundo, 15.
3. Idem, 16.
4. Idem, 16.
5. Cf. JOÃO PAULO II. Carta Apostólica Ordinatio sacerdotalis: AAS 86 (1994), 545-548; Congregação para a Doutrina da Fé, Resposta à dúvida sobre a doutrina da Carta apostólica Ordinatio sacerdotalis: AAS 87 (1995), 1114.
6. Cf. Lc 1, 26-38.
7. Francisco das CHAGAS, “O perfil mariano da Igreja”, in Maria no coração da Igreja: múltiplos olhares sobre a Mariologia, São Paulo, 2011, p. 106.
8. Id., ibid.
9. Cf. Lc 1, 26-38.
10. Francisco das CHAGAS, “O perfil mariano da Igreja”, op. cit., p. 111.
11. Id., p. 113.
12. Id., ibid.
13. Joseph RATZINGER; Hans Urs Von BALTHASAR, Maria, Primeira Igreja, Coimbra, 1985, p. 110.
14. Cf. Jr 2, 2; 3, 14; Ez 16, 8-14.
15. Cf. 2 Cor 11, 2.
16. Cf. Ap 19, 7.
17. Joseph RATZINGER; Hans Urs Von BALTHASAR, op. Cit., p. 110.
18. Id., p. 113-114.
19. Id., ibid.
20. Id., p. 116.