A objeção de consciência é um direito que temos, pois defende a nossa consciência diante da leis e das autoridades
Tem se tornado tema frequente, nos últimos tempos, a questão da “objeção de consciência”, isto é, o direito, e até mesmo o dever, de não cumprir uma determinada ordem proferida por uma autoridade, porque esta ofenderia aquilo que nos diz a nossa consciência. Essa questão tem maior importância quando nos deparamos com determinadas propostas de lei que ofendem aquilo que é natural para a pessoa humana e, de modo especial, para a família. Para simplificar essa questão, recheada de significados técnicos, organizamos uma série de artigos que pretendem lançar luz sobre o assunto.
As perguntas que podemos fazer são: podemos nos opor às normas das autoridades? Em que circunstâncias? Isso pode ser feito em nome da consciência? E o que seria a consciência? Antes de respondê-las, todavia, convém estabelecer alguns pontos não menos importantes: por que devemos nos submeter às normas provenientes das autoridades – quer sejam elas morais (por exemplo, os filhos obedecerem os pais), religiosas (as normas da Igreja) ou jurídicas (o Direito)? Afinal, isso não ofenderia a nossa liberdade?
Começando pela questão da liberdade, lembro-me de uma observação do professor Luis Fernando Barzotto, a qual me fez notar aspectos importantes de uma conhecida fábula escrita pelo grego Esopo: “A Rã e o Escorpião”. Segundo essa história, o escorpião, pretendendo atravessar um rio e não sabendo nadar, pediu que a rã o levasse em suas costas. A rã, por sua vez, negou-se prontamente, alegando que ele era um predador da sua espécie e que era seu costume ferroar – e matar! – as rãs. Diante dessa negativa, o escorpião apresentou uma objeção invencível: disse à rã que, se ele a ferroasse, ela morreria e, por consequência, ele também morreria, porque, afinal de contas, não sabia nadar.
Nessas circunstâncias, a rã concordou em lhe oferecer ajuda. No entanto, no meio do rio, a rã sentiu uma profunda ferroada e, desde logo, percebeu que aquilo lhe tiraria a vida. Indignada, questionou o escorpião, perguntando-lhe se ele sabia o que tinha feito, pois, dessa forma, os dois iriam morrer. O escorpião simplesmente respondeu: “Essa é a minha natureza!”.
Esopo pretendia indicar, com essa fábula, uma diferença fundamental entre a natureza humana e aquela dos animais: o escorpião, mesmo sendo ajudado e destruindo a própria vida, não era capaz de contrariar suas inclinações naturais, os seus instintos. Os gregos, representados por Esopo, perceberam que os homens são diferentes, pois, mesmo que sejamos inclinados a determinados comportamentos (em virtude das condições biológicas, sociais etc), podemos nos afastar desses comportamentos em busca de um bem maior a ser realizado. Exemplo típico é a fidelidade matrimonial, pela qual nos afastamos de condicionamentos biológicos para buscar um bem maior: a família.
A liberdade, portanto, não está em seguir os nossos “instintos”, mas em nos afastarmos deles em busca de bens realmente humanos. A partir dessa concepção, a autoridade e as suas normas ganham outros contornos. Uma criança, deixada à própria sorte, sem uma família para educá-la, tenderá a satisfazer seus desejos (nem sempre bons) e se tornará “mimada”, incapaz de conviver com os outros e de superar os desafios que a vida lhe apresentará. As normas emitidas por seus pais, contrariando esses desejos, vão, no fundo, libertando a criança de seus “instintos” para que ela amadureça e se torne uma pessoa em sua plenitude, isto é, livre.
Em princípio, portanto, as normas e as autoridades – também as religiosas e as jurídicas – têm como objetivo justamente garantir a nossa liberdade, indicando-nos comportamentos que nos afastam de nossas más inclinações para que tenhamos condutas adequadas à nossa condição humana. No entanto, o que ocorre quando a normas – e as autoridades – não têm esse objetivo? Essa e outras perguntas é o que veremos nos próximos artigos.
Autor: Evandro Gussi