A força de vontade

Quase sempre há no homem uma grande soma de forças que ele deixa inativas. O conhecer-se, acertadamente, é um maravilhoso segredo para fazer muitas e grandes coisas. Ficamos impressionados diante de certos trabalhos realizados pela necessidade. Em situações de necessidade, o homem se transforma e muda, por assim dizer, de natureza. A inteligência se engrandece, adquire penetração, lucidez e precisão maravilhosas; o coração se dilata e nada assombra a sua audácia; até o corpo adquire mais vigor.

Por quê? Criaram-se, por ventura, novas faculdades no homem? Não, mas as faculdades que dormiam foram despertadas. Onde tudo era repouso, tornou-se movimento, convergiu para um fim determinado. Aguilhoada pelo perigo, a vontade se desenvolve em sua irresistível potência; ordena imperiosamente a todas as faculdades que concorram para a ação comum; presta-lhe sua energia e sua decisão. Espanta-se o homem ao sentir-se inteiramente mudado. O que apenas ousaria imaginar, o impossível de ontem, torna-se o fato realizado do presente.

O que praticamos, nas circunstâncias extremas e sob o império da necessidade, nos deixa ver o que podemos no curso ordinário da vida. Para obter é mister querer; mas querer, com vontade decidida, resoluta e inconcussa; com vontade que caminha para o fim sem desanimar com os obstáculos ou fadigas. Mas, às vezes, parece-nos ter vontade quando só temos vaidades. Quereríamos, se não fora preciso romper com nossa preguiça, afrontar certos perigos, vencer certas dificuldades. Escasseando de energia a nossa vontade, molemente desenvolveremos nossas faculdades e cairemos desfalecidos ao meio do caminho.

Querer com firmeza assegura o sucesso nas empresas difíceis; por meio dela, dominamos a nós mesmos, condição indispensável para dominar as coisas. Há dois homens em cada homem: um, inteligente, ativo, elevado, nobre em seus pensamentos e em seus desejos, submetido às leis da razão, cheio de ousadia e generosidade; outro inteligente, sem arrojo, sem expediente, não se atrevendo a levantar nem a cabeça nem o coração acima do pó da terra, envolvido inteiramente nos instintos e nos interesses materiais.


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O último é um ser de sensações e de gozos; nem lembrança de ontem nem previsão de amanhã. Para ele, a hora presente, o gozo presente é que constituem a felicidade; tudo o mais é nada. Em contrapartida, o primeiro instrui-se com as lições do passado, sabe ler no futuro. Há para ele outros interesses que os de momento; não circunscreve em tão estreito círculo o que se chama à vida, à aspiração da alma imortal. Sabe que o homem é uma criatura formada à imagem de Deus, levanta o pensamento e o coração para o céu, conhece a sua dignidade, compenetra-se da nobreza da sua origem e de seus destinos, paira acima da região dos sentidos. Que direi ainda? Ao gozo, prefere o dever.

Nenhum progresso sólido e permanente é possível se não favorecemos a parte nobre da alma, sujeitando-lhe o homem inferior. O que se domina a si mesmo facilmente domina as circunstâncias. Uma vontade firme e perseverante, além de outras qualidades, liga ou subjuga as vontades mais fracas e lhes impõe, naturalmente e sem esforço, a sua superioridade.

A obstinação é um defeito gravíssimo, pois que fecha nossos ouvidos aos conselhos; porque, a despeito de toda a consideração de prudência ou de justiça, nos encadeia a nossos sentimentos, pensamentos e resoluções: planta vivaz, cuja raiz é o orgulho. Entretanto, os perigos da obstinação são, talvez, menores que os da inconstância. Se a obstinação nos cega, concentrando nossas faculdades em um só ponto, às vezes em um erro, a inconstância enfraquece estas faculdades, ora deixando-as ociosas ora aplicando-as com mobilidade, sem repouso, a mil diversos objetos. A inconstância nos torna incapazes de terminar qualquer empresa. O inconstante colhe o fruto antes da maturidade, recua diante dos mais insignificantes obstáculos; uma leve fadiga, um leve perigo a amedronta, deixa-a à mercê de todas as paixões, de todo o sucesso, de todo o homem que possa ter interesse em dominá-lo; finalmente, fecha os ouvidos aos conselhos da justiça, da razão e do dever.

“Quereis adquirir vontade perseverante, firme e premunir-vos contra a inconstância? Formai convicções firmes, traçai-vos um sistema de vida e nada confieis ao acaso do que lho puderdes subtrair. Os sucessos, as circunstâncias, a vossa previdência de curto alcance não raro vos obrigarão a modificar os planos que houverdes concebido. Não importa, pois não deve esse ser motivo para, de novo, os não formar; isto não vos autoriza a vos entregardes cegamente ao curso das coisas e a caminhar à ventura, pois não nos foi dada a razão como guia e apoio?”

Traçar, de antemão, uma linha de atuação e só agir depois de maduras reflexões é proceder com notável superioridade sobre os que se conduzem ao acaso. O homem que se guiar por estes princípios, ouso afirmá-lo, levará incontestável vantagem sobre os que se portem de outro modo. Se estes são seus auxiliares, naturalmente os porá debaixo de suas ordens e se verá constituído chefe; se são seus adversários ou inimigos, os desbaratará, ainda que com menos recursos.

Consciência reta e tranquila, vontade firme, plano bem concebido, eis os meios para levar a bom termo as empresas difíceis. Isto pede-nos alguns sacrifícios, concordo; supõe trabalho interior, enérgico e perseverante, pois que é mister começar por se vencer a si próprio; mas, assim na ordem intelectual e moral, como na física, nas coisas do tempo, como nas da eternidade, só merece e obtém a coroa o que sabe na luta afrontar as fadigas e os perigos.

 
O texto foi escrito por Jaime Balmes (1810-1848), jovem e brilhante filósofo espanhol, notável também por sua atividade jornalística e política. É um trecho do seu pequeno e denso livro El Criterio (1845), sua obra mais conhecida, na qual expõe uma série de considerações, simples, claras e certeiras, sobre o pensamento e sobre a vida prática, que merecem ser sempre levadas em consideração.