“Diz o insensato em seu próprio coração: Não há Deus” (Sl 13,1). A Sagrada Escritura não chama de infiéis os que negam a existência do Senhor, mas de insensatos, ou seja, pessoas sem senso, que não raciocinam. Isso significa algo muito importante: o não reconhecimento da presença de Deus não é um problema de falta de fé, mas de raciocínio. Efetivamente, para reconhecer a existência d’Ele não é preciso ter fé, basta pensar direito, fazer uso correto da própria inteligência.
Na verdade, a própria fé, de certa forma, pressupõe esse conhecimento sobre Deus, o qual obtemos apenas com as luzes de nossa razão. Como nos referimos em nosso artigo anterior e conforme consta dos parágrafos 142 e 143 do Catecismo da Igreja Católica (CIC), “fé é a resposta do homem ao Deus que se revela”. Ter fé é confiar na palavra de alguém e aceitá-la como verdadeira. A fé é divina quando esse Alguém em quem confiamos é o próprio Pai do céu. Ora, aceitar a Palavra revelada pelo Senhor pressupõe que reconhecemos, previamente, a existência de um Deus que pode se revelar. Ou seja, o conhecimento sobrenatural da revelação pressupõe uma compreensão natural do Senhor.
Como alcançamos esta ciência? Em primeiro lugar, a realidade divina é uma verdade que pertence ao bom senso da humanidade. Cícero, filósofo romano, dizia que “não há povo tão bruto, bárbaro ou selvagem que não tenha a ideia da existência de Deus, ainda que se engane sobre a Sua natureza”. Este é um traço que, radicalmente, nos separa dos animais irracionais, pois, fora de nossa espécie, não há registro de nenhum traço de veneração religiosa. Em compensação, jamais se observou sociedade humana que não tivesse alguma ideia de religião ou de divindade. Entre os seres que vivem sobre a Terra, só o homem presta culto a Deus; e sempre onde se encontrou o homem, aí também se encontrou a religião.
O argumento é persuasivo, porém nada prova definitivamente. Ainda que toda a humanidade concordasse com a existência do Senhor, todos poderiam estar enganados. Entretanto, é possível, verdadeiramente, a partir das realidades à nossa volta, demonstrar a existência d’Ele com a mais absoluta certeza de que a razão humana é capaz.
Como nos ensina o apóstolo dos gentios na Carta aos Romanos: “O que se pode conhecer de Deus é-lhes manifesto, pois Deus lho manifestou. De fato, as coisas invisíveis d’Ele, depois da criação do mundo, compreendendo-se pelas coisas feitas, tornaram-se visíveis, e assim o seu poder eterno e a sua divindade» (Rm 1,19-20).
Assista: “Religião sem fé”, com padre Paulo Ricardo
Efetivamente, a existência de Deus foi demonstrada pelo filósofo grego Aristóteles, que viveu no século IV antes de Cristo. Na Idade Média, a demonstração aristotélica foi desdobrada em cinco vias por Santo Tomás de Aquino e, até hoje, não foi refutada, porque, para tanto, seria preciso negar ou a própria existência do mundo ou os primeiros princípios do ser. Entretanto, tais provas são difíceis e reclamam, para a sua perfeita compreensão, um profundo conhecimento do conjunto da filosofia aristotélico-tomista.
Isso mostra a importância de se estudar a filosofia de Aristóteles e Santo Tomás de Aquino. O decreto Optatam Totius, do Concílio Vaticano II, por exemplo, determina que, na formação sacerdotal, as disciplinas filosóficas sejam ensinadas segundo “um patrimônio filosófico perenemente válido” (n. 15), em que se inclui, essencialmente, a filosofia aristotélico-tomista. Trata-se de uma filosofia perene, que começa com os primeiros filósofos gregos, desenvolve-se com Sócrates e Platão, é sistematizada e aperfeiçoada por Aristóteles, recebe contribuições dos estóicos e é continuada por Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, representando uma conquista definitiva da humanidade e um patrimônio intelectual de valor permanente, inclusive para os homens de hoje.
Essa filosofia perene nos proporciona os princípios que nos habilitam não somente a demonstrar com certeza a existência divina, mas também outras verdades fundamentais para a vida religiosa, como a imortalidade da alma e a existência de uma lei moral que define o certo e o errado no comportamento humano.
Tal a importância do estudo da filosofia, que o grande Papa Leão XIII publicou uma encíclica, a Aeterni Patris, apenas para estimular esses estudos, especialmente a respeito da filosofia de Santo Tomás. Neste documento, o Pontífice diz: “Sabe-se que entre os chefes das facções heréticas não faltaram os que confessaram publicamente que, uma vez afastada a doutrina de Tomás de Aquino, eles poderiam facilmente enfrentar e vencer todos os doutores católicos e aniquilar a Igreja. Sem dúvida, esperança vã, mas não vão testemunho” (n. 46).
Portanto, existe uma religião natural, que é constituída das verdades e deveres religiosos demonstrados à luz natural da razão humana pela reta filosofia. É por isso que a formação de um padre prevê o estudo da filosofia antes da teologia. A filosofia fornece aquele conhecimento natural de Deus que constitui o que os teólogos chamam de “os preâmbulos da fé”. O Catolicismo é uma religião revelada (sobrenatural) assentada sobre uma religião demonstrável (natural).