Entre os “remédios contra o pecado”, a Igreja apresenta, além do jejum e da oração, a esmola. Especialmente no tempo quaresmal essas práticas espirituais são propostas de combate ao pecado: o egoísmo e todas as paixões desordenadas que agitam nossa alma. Há ervas daninhas que crescem no jardim de nossa alma, cujas raízes são profundas, por isso são difíceis de ser arrancadas. A esmola é uma das formas de eliminá-las.
Um dos piores pecados é a ganância ou avareza; é o apego desordenado ao dinheiro e aos bens deste mundo. O avarento está pronto a deixar até a própria vida, mas não os seus bens. São Paulo classifica a avareza como idolatria: “Mortificai, pois, os vossos membros terrenos: fornicação, impureza, paixões, desejos maus, cupidez e a avareza, que é idolatria” (Cl 3,5). “Porque sabei-o bem: nenhum dissoluto, ou impuro, ou avarento – verdadeiros idólatras ! – terão herança no reino de Cristo e de Deus” (Ef 5,5).
O apóstolo dos gentios vê o apego aos bens materiais, sobretudo ao dinheiro, como idolatria, porque a pessoa o ama como a um deus, torna-se escrava da riqueza, e no seu altar queima um incenso perigoso. Desde o princípio Jesus alertou os discípulos sobre este perigo, como no Sermão da Montanha: “Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou odiará a um e amará o outro, ou dedica-se a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e a riqueza” (Mt 6,24).
O que importa é a pessoa não ser escrava do dinheiro e dos bens. É claro que todos nós precisamos deles [dinheiro e dos bens] para viver; o próprio Jesus tinha um “tesoureiro” no grupo dos apóstolos; e é importante notar que foi exatamente Judas quem se perdeu. Isso não quer dizer que foi só por causa do dinheiro, mas o Evangelho não deixa de dizer que ele era ganancioso.
São Paulo afirma que “a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro” (cf. I Tm 6,10). Veja que, portanto, o mal não é o dinheiro em si, mas o “amor” ao dinheiro, pois o apego desordenado a ele faz a pessoa buscá-lo como um fim e não como um meio. Por causa do dinheiro muitos aceitam a mentira, a falsidade e a fraude. Quantos produtos falsificados! Quantos quilos que só possuem 900 gramas! Quanta enganação e trapaças nos negócios!
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Não é verdade que mesmo entre os cristãos, tantas vezes, um engana o outro, o “passa para trás” em algum negócio, compra e venda, entre outros? Tudo isso é roubo; não importa se o objeto levado foi uma simples caneta ou um bem maior; não importa se se vendeu por 10 mil um carro que só valia 9, ou se falsificamos um produto para aumentar o lucro fácil. É fraude, é roubo! E tudo acontece, como disse o apóstolo, “por amor ao dinheiro”.
Se formos mais a fundo, poderemos constatar que toda a corrupção, todo o tráfico de drogas e de armas, crimes, etc., têm por trás a sede do dinheiro. Basta ligar o televisor ou ler o jornal para ver isso. O próprio domingo, dia do Senhor, está se transformando, para muitos, em um dia de ganhar dinheiro. Por amor ao dinheiro muitos pais perdem os próprios filhos, irmãos brigam e se separam e muitos casamentos acabam. No casamento dá mais problema o dinheiro que sobra do que o dinheiro que falta.
Por causa da ganância vemos o mundo numa situação de grande injustiça e miséria para muitos. Como disse o Papa Paulo VI, os ricos cada vez mais ricos, à custa dos pobres cada vez mais pobres. O nosso Catecismo da Igreja Católica diz: “Uma teoria que faz do lucro a regra exclusiva e o fim último da atividade econômica é moralmente inaceitável. O apetite desordenado pelo dinheiro não deixa de produzir seus efeitos perversos. Ele é uma das causas dos numerosos conflitos que perturbam a ordem social. (GS. 63,3) Toda prática que reduz as pessoas a não serem mais do que meros meios que têm em vista o lucro escraviza o homem, conduz à idolatria do dinheiro e contribui para difundir o ateísmo”. (CIC § 2424).
Jesus recomendou ao povo:
“Guardai-vos escrupulosamente de toda avareza, porque a vida de um homem, ainda que ele esteja na abundância, não depende de suas riquezas” (Lc 12,15). “Filhinhos, quão difícil é entrarem no Reino de Deus os que põem a sua confiança nas riquezas” (Mc 10,24). O apego aos bens deste mundo é algo muito forte em nós, quase que uma “segunda natureza”, e portanto, só com o auxílio da graça de Deus poderemos vencer esta tentação forte. Como?
O remédio contra a avareza é o “abrir as mãos”, não para receber, mas para dar. Quanto mais apegado você for ao dinheiro, tanto mais deve fazer o exercício de “dar” boas e generosas esmolas… até que as suas mãos aprendam a se abrir sem que o seu coração chore. Exaustivamente a Bíblia fala da importância da esmola: “Quem se apieda do pobre, empresta ao Senhor, que lhe restituirá o benefício”. (Prov 19,17).
São Leão Magno dizia que “a mão do pobre é o banco de Deus”. “Dá esmola de teus bens, e não te desvies de nenhum pobre, pois, assim fazendo, Deus tampouco se desviará de ti”. (Tob 6,8) “A esmola será para todos os que a praticam um motivo de grande confiança diante de Deus altíssimo”. (Tob 4,12) “Encerra a esmola no coração do pobre, e ela rogará por ti a fim de te preservar de todo mal. Para combater o teu inimigo, ela será uma arma mais poderosa do que o escudo e a lança de um homem valente” (Eclo 29,15-16).
O importante é que se dê com alegria e liberdade, certo de estar ajudando o irmão e agradando ao Pai: “Dê cada um conforme o impulso do seu coração sem tristeza, nem constrangimento. Deus ama a quem dá com alegria” (II Cor 9,7). Mas, dar esmola não é tomar aquela moedinha sem valor e colocar nas mãos do pobre, é muito mais que isso, é ajudar a sua promoção. Deus retribui copiosamente, com bênçãos espirituais e materiais, aos que sabem ser generosos. “Aquele que dá a sementeira ao semeador e o pão a comer, vos dará rica sementeira e aumentará os frutos de nossa justiça”. (2 Cor 9,9-10). Mas, só terá mérito diante de Deus a esmola dada em silêncio. “Quando, pois, dás esmolas, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas… já receberam a sua recompensa” (Mt 6,2-4).
São Leão Magno (400-461) valorizava muito a esmola. Dizia que “deposita no céu o seu tesouro quem alimenta a Cristo no pobre”, e que elas “apagam qualquer culpa contraída nesta morada terrena”, já que a “caridade encobre uma multidão de pecados”. (1 Pe 4,8) Muitos se tornam apegados aos bens e ao dinheiro por insegurança diante do futuro. A melhor maneira de vencer este medo é confiar na Providência Divina que cuida de todos. Jesus disse: “Não vos preocupeis por vossa vida” (Mt 6,25). Deus quer que façamos a nossa parte, mas confiemos a Ele as nossas dúvidas e inseguranças, pois, Ele cuida melhor de nós do que das aves do céu: “Olhai as aves do céu […] vosso Pai celeste as alimenta” (v. 26). Somos filhos de Deus; e Ele não nos quer preocupados, pois, a preocupação não resolve nada e muito nos prejudica.
“Qual de vós por mais que se esforce, pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida?” (v. 27). “Não vos aflijais […]” (v. 31). “Vosso Pai celeste sabe que necessitais de tudo isso” (v. 32). Importa “buscar em primeiro lugar o reino de Deus” (v. 33), isto é, viver conforme a vontade de Deus, e o mais “nos será dado por acréscimo” (v. 33). São Pedro exortava os fiéis dizendo: “Confiai a Deus todas as vossas preocupações, porque ele tem cuidado de vós”. (I Pe 5,7).
Nada desgasta tanto o homem moderno quanto as “preocupações da vida”. Mas Jesus nos deixou a receita divina para vencê-las: “Não vos preocupeis , pois, com o dia de amanhã: o dia de amanhã terá as suas preocupações próprias. A cada dia basta o seu cuidado” (Mt 6,34). A sabedoria divina manda “viver um dia de cada vez”, plenamente, deixando o futuro nas Suas mãos. “O Senhor é o meu pastor, nada me faltará” (Sl 22,1).
Isso tudo não quer dizer que não devemos ser previdentes tendo em vista as necessidades da vida. É pelo nosso trabalho que o Senhor traz o pão de cada dia à nossa mesa. Que ninguém fique esperando, na fé, e de braços cruzados, o socorro do céu.