Um dos princípios basilares da Doutrina Social da Igreja é o da destinação universal dos bens criados. Em linguagem religiosa significa que Deus criou o universo para o bem dos seres humanos, de todos eles. Esse princípio é a explicitação da dignidade inviolável da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus A pessoa não pode ser instrumentalizada para nenhum fim. A ordem social deve ser tal que cada pessoa humana tenha reconhecida, na prática, sua dignidade e possa desenvolver-se até chegar à plenitude de sua humanidade.
A pessoa deve ser, por isso, ela mesma, o sujeito do processo de seu desenvolvimento e não pode ser substituída por outra instância no que diz respeito às decisões sobre si e sobre seu destino. É que não há realização da pessoa humana sem a liberdade. Liberdade é, antes de tudo, o poder de decidir sobre si e sobre a própria vida. O fato de a humanidade ser formada por uma multidão de pessoas coloca, entretanto, um limite para a liberdade de um indivíduo: o outro que ele mesmo.
O outro é pessoa. Daí surgiram duas regras fundamentais de comportamento:
a) Não faças ao outro o que não queres que o outro te faça;
b) Deves fazer ao outro tudo o que desejas que o outro te faça.
Kant, na mesma linha, sentenciou: Age apenas segundo uma máxima tal que possas querer que se torne uma lei universal.
Na revelação do Antigo Testamento assim aparece esta regra de ouro: Ama o próximo como a ti mesmo. O outro, portanto, não é, em primeiro lugar, um obstáculo para a minha liberdade, é seu destino. Ele põe, sim, um limite a meu desejo de onipotência, lembra-me que não sou a totalidade do real. Mas o outro é, sobretudo, apelo a que eu cuide nele da humanidade da qual também ele participa. Jesus deu como lei suprema para Seus discípulos um mandamento novo: Amai-vos uns aos outros.
Se todos cuidassem de todos, o mundo seria, sem dúvida, o paraíso: um lugar de imensa paz. Precisamente porque este mundo pode ser o paraíso é que temos do paraíso saudades. Jesus não só ensinou, Ele fez. Por isso pôde acrescentar: Como eu vos amei.
Do outro não posso tirar a vida, mesmo que ainda esteja em seu mais remoto começo – embrião ou feto -, mas ao outro posso e devo doar a vida. Não posso matar o outro, mas posso morrer por ele. Essa é a grande lição do Cristianismo, da qual nós estamos longe de pôr em prática. Uma vez que a vida depende do pão de cada dia, Jesus ensinou-nos a rezar: O pão nosso de cada dia nos dai hoje.
Tira-se a vida não só quando se mata em ação direta – como se faz nos abortamentos e similares -, mas também quando se rouba o pão do irmão. Também quando não se sabe repartir. Esse problema é o problema maior da humanidade. O Evangelho não nos deixa mentir.
Escute, leitor, o que ensinou Jesus: Vinde, benditos de meu Pai, recebei por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. Porque tive fome e me destes de comer… E disse também: apartai-vos de mim malditos para o fogo eterno preparado para o diabo e seus anjos. Porque tive fome e não me deste de comer… (cf Mt 25,31-46).
Ora, se a vida econômica da sociedade se organiza de tal forma que os bens pão significa todos os bens necessários para uma vida digna deste mundo se concentram nas mãos de uma parte da humanidade em detrimento da outra, estamos diante de uma situação de injustiça, embutida na ordem econômica.
Ora, o momento em que vivemos está a nos dizer da necessidade de ordem econômica mais justa. É curioso e sintomático que, para enfrentar a presente crise, o presidente Bush reúna os oito grandes e que, subseqüentemente, queira reunir os vinte emergentes. E as outras nações? Elas não têm nada a dizer da atual (des)ordem econômica internacional?
Em 2004 o Compêndio da Doutrina Social da Igreja advertia: Nos organismos internacionais devem ser equitativamente representados os interesses da grande família humana; é necessário que estas instituições, ao avaliarem as conseqüências das suas decisões, tenham em devida conta aqueles povos e países que têm escasso peso no mercado internacional, mas em si concentram as necessidades mais graves e dolorosas, e necessitam de maior apoio para o seu desenvolvimento (n. 371).
João Paulo II ensinava em uma de suas encíclicas sociais: A solidariedade ajuda-nos a ver o outro pessoa, povo ou nação não como um instrumento qualquer, do qual se explora, a baixo preço, a capacidade de trabalho e a resistência física, para o abandonar quando já não serve; mas sim, como um nosso semelhante, um auxílio (cf. Gén 2, 18. 20), que deverá se tornar participante, como nós, no banquete da vida, para o qual todos os homens são igualmente convidados por Deus. Donde a importância de despertar a consciência religiosa dos homens e dos povos.
Na mesa da humanidade devem poder se assentar todos os seres humanos.