A Quaresma é o tempo litúrgico que precede a celebração da Páscoa, maior festa do calendário cristão. Sua vivência tem fundamentos profundamente bíblicos e seu significado teológico é irrefutavelmente notável. O desejo da presente reflexão, todavia, é sobretudo o de apontar o valor dos exercícios de disciplina. Esses visam superar a escravidão dos sentidos em vista da felicidade verdadeira, atributo de uma alma livre. Trata-se, portanto, de enfatizar os benefícios práticos dessa experiência.
Atuar neste campo é uma exigência inerente à natureza do cristianismo. Essa atividade, naturalmente desafiadora, tornou-se ainda mais difícil por causa da crescente fusão dos conceitos de prazer e de felicidade. Essas são duas realidades irrestritamente buscadas pelo homem, e mais teoricamente elaboradas na modernidade.
A Quaresma pode se tornar uma via privilegiada do encontro da felicidade verdadeira
Imagina-se, equivocadamente, que os prazeres que causam deleite temporário ao corpo manifestam a presença da felicidade, que, neste caso, é utópica e até frívola. No fundo, a felicidade buscada deveria ser entendida como a consciência da plenitude da vida, um estado de contentamento que supera a capacidade de satisfação imediata dos sentidos. Porque nenhum prazer, ainda que atenda a certos desejos, pode ser ininterrupto.
Observa-se que, comumente, aqueles que vivem uma busca incessante por deleites passageiros, empregam a própria existência no desejo indiscriminado de satisfazer a próxima tendência a que se inclina. Esse empreendimento de forças retarda o crescimento no campo das virtudes, o que torna mais difícil o alcance da plenitude da vida querida por Cristo.
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Não se deve confundir, entretanto, a ideia da disciplina dos sentidos, com culpa por desejar o prazer. Os exercícios quaresmais, particularmente o jejum e a abstinência, não são vistos pela Igreja como vias de negação, tampouco como um castigo deliberado a um corpo que deveria encontrar gozo supérfluo com o sofrimento, trata-se, ao contrário, da procura pela compreensão sobre a natureza passageira do corpo, cujo bem-estar pode ser alcançado para além da mera sensação física, pois o objetivo da nossa existência não é o prazer, mas a felicidade, que é Pessoa a ser encontrada.
Entende-se, assim, que a Quaresma pode se tornar uma via privilegiada do encontro da felicidade verdadeira e da vida abundante, pois a sabedoria da Igreja depositou nas mãos de todos os fiéis os meios adequados para o discernimento dos componentes genuínos da felicidade verdadeira. É preciso, em suma, colocar-se diante daquilo que é substancial, de modo que não se venha a abrir mão dos valores eternos em detrimento das frivolidades que escravizam a alma.
Padre Luan Saldanha