Já o velho – sábio pagão – Aristóteles percebera que comandava a existência humana o desejo da felicidade. Mas em que consiste a felicidade? Onde encontrá-la? Freud colocou nas raízes da ação humana o princípio do prazer. Nisto ele está perto de Aristóteles. Mas, lendo Freud, fica-nos a sensação de que a vida civilizada, eticamente responsável, implica necessariamente sofrimento, renúncia à alegria de viver.
Agostinho de Hipona, ainda pagão, deixou-se conduzir pelo desejo de ser feliz. Abriu duas frentes de busca: uma da inteligência, outra da concupiscência. Através da primeira peregrinou pelos caminhos da filosofia grega, detendo-se por um bom tempo no pensamento maniqueu, na tentativa de compreender o mistério do mal. Através da segunda envolveu-se em amores e afetos feitos de erotismo, que lhe deram um filho, Adeodato.
Assim Agostinho descreveu essa experiência: “Para mim, o amor era muito mais doce se pudesse gozar do corpo da pessoa amada. Assim, conspurcava a fonte da amizade com a sórdida luxúria, e ofuscava sua luz com as paixões infernais. Era repulsivo e vulgar, mas com vaidade me ataviava como se fosse pessoa elegante e refinada. Caí nos braços do amor, pelos quais quis ser envolvido” Mas sobreveio o vazio: “Deus meu, minha misericórdia, como foste bom ao derramar fel abundante sobre meus prazeres! Fui amado, e cheguei, por caminhos tortos, a gozar, satisfeito, das cadeias que me prendiam com laços de tormento, para depois sentir o ferro em brasa do ciúme, da suspeita, do temor, da cólera e das contendas” (Confissões, liv. III,1.1).
Seu coração continuava, pois, irrequieto, inquieto e atormentado. Professor de retórica em Milão, levado pelo desejo de conhecer o grande orador, Ambrósio, foi ouvi-lo. A questão da verdade se colocou para ele com novo vigor. Onde encontrar a felicidade? Lá onde ela estiver, lá é a pátria da verdade.
Caro(a) leitor(a), o que é a verdade? Agostinho levou a sério a insatisfação de seu coração e a sede de sua inteligência. Já procurava, desde os começos da juventude, resposta para sua inquietação. Continuou procurando. Pesquisava, dentro, as razões e os anseios de seu coração e investigava fora, agora, nos livros sagrados do cristianismo, os caminhos que poderiam conduzir à plenitude da verdade.
Chegou um momento em que tudo ficou claro. Ele não podia negar, seu coração continuava inquieto: não lhe respondiam aos anseios as experiências até então vividas. Sua inteligência começou a ver na proposta cristã a verdade que buscara nos filósofos gregos. Mas à verdade cristã só se chega plenamente pela entrega do coração. E seu coração relutava: “ia adiantada a decisão de desprezar as esperanças do mundo para seguir a Ti apenas”. E Agostinho dizia para si mesmo: “onde está tua eloqüência? Dizias não te livrares das vaidades por não teres certeza da verdade: agora a verdade está clara, mas ainda pesam sobre ti as vaidades”…”Com que dureza açoitei minha alma, para que me seguisse na direção de Ti! Ela, titubeante, não ia, nem negava; todos os argumentos eram rebatidos, refutados; restava-lhe apenas uma muda incerteza. Temia como à morte largar aqueles hábitos que a matavam pouco a pouco” (Liv. VIII, 7.18).
Santo Agostinho entrou em dolorosa agonia espiritual: “caído sob uma figueira, dei curso às lágrimas, que jorravam dos meus olhos como a fumaça de um sacrifício em tua honra… Sentia-me ainda preso ao meu passado, e por isso bradava em desespero: por quanto tempo direi ainda ‘amanhã, amanhã’? por que não agora? Por que não pôr fim logo à minha indignidade?” (Livro VIII, 12,28).
A experiência de Agostinho confirma o que o Santo Padre, Banto XVI, afirmou: “uma sociedade em que Deus está ausente não encontra consenso necessário sobre os valores morais e a força para viver segundo esses valores, mesmo contra os próprios interesses”. Encontrar a plenitude da verdade sem Deus não é possível e muito menos decidir-se a viver dela. A inteligência de Agostinho, pela graça de Deus, tinha chegado a reconhecer a verdade. Seu coração, entretanto, não dava o passo da entrega.
Mergulhado no desespero de sua impotência, com o coração cheio de amargura, Agostinho escuta a voz de um menino a cantarolar: “toma e lê…toma e lê”. Agostinho toma o livro da carta de Paulo aos Romanos, abre-o, lê e escuta: “não em orgias e bebedeiras, nem em luxúria e na libertinagem, não nas rixas e na inveja, mas revestí-vos do Senhor Jesus Cristo, e não sigais a carne em suas paixões” (Rom13,13-14). “Lida a passagem, todas as trevas da dúvida se dissolveram, como se uma luz de certeza se espalhasse em minha alma” (Lvro VIII, 12,29).
Aqui começa a alegria de seguir pelo caminho das virtudes. Agostinho foi então, depois de algum tempo, batizado junto com seu filho, Adeodato, “fruto do meu pecado”. “Fomos batizados, e assim libertos de qualquer preocupação relativa ao passado”(Livro IX, 6.14). Começou uma vida nova. (Voltaremos ao assunto).