Para quem tem a graça, a oportunidade e o empenho de participar na Santa Missa, diariamente e,
principalmente ao domingo, dia do Senhor, é certo que já se habituou a aclamar, diante do Mistério da fé actualizado no Altar: «Anunciamos, Senhor, a vossa morte, proclamamos a vossa ressurreição. Vinde Senhor Jesus!»
Após o tempo da Quaresma, a Igreja convida-nos a passarmos das múltiplas práticas penitenciais e da celebração do Mistério Pascal diário e/ou semanal, para o coração do ano litúrgico, como nos recorda o Missal Romano nos números dezoito e dezanove:
«O sagrado Tríduo da Paixão e Ressurreição do Senhor é o ponto culminante de todo o ano litúrgico, porque a obra da redenção humana e da perfeita glorificação de Deus foi realizada por Cristo, especialmente no seu mistério pascal, pelo qual, morrendo destruiu a nossa morte e ressuscitando restaurou a vida. A proeminência que na semana tem o domingo, tem-na no ano litúrgico a solenidade da Páscoa. O Tríduo pascal da Paixão e Ressurreição do Senhor inicia-se com a Missa da Ceia do Senhor, tem o seu centro na Vigília Pascal e termina nas Vésperas do domingo da Ressurreição».
Eis o Mistério da solenidade das solenidades litúrgicas, que quer visitar toda e qualquer realidade que possamos estar vivendo pessoal e comunitariamente. Na verdade, é desta única e solene celebração que anualmente vivemos em três momentos interdependentes, que podemos viver a experiência do mergulho do mistério da nossa vida no Mistério de Cristo, que é a essência da nossa Fé e essencialmente revelação do Amor apaixonado de Deus, como o nosso Papa Bento XVI tem recordado e nos ajudado com os seus escritos e oração de pastor universal, para que sejamos peritos neste Amor Trinitário e Pascal.
Este Mistério Pascal é Mistério de Amor Trinitário que não neutraliza o mistério da criação, muito pelo contrário, tem força de resgatar, aprofundar e dar sempre sentido ao mistério de toda a realidade criada, principalmente, ao ser humano, pois somos os únicos feitos à imagem e semelhança do Amor Trinitário (cf. Gn 1). Claro que infelizmente com o mistério do pecado original e as suas consequências, todos perdemos naturalmente a semelhança desta imagem, mas não por completo, já que nada é mais forte do que o Amor Trinitário de Deus, que naquela altura apareceu como que vencido pelo mau uso do mistério da liberdade humana, mas nunca destruído pelo mistério da iniquidade que se principiava no coração e história humana (cf. Gn 3).
Constatamos os sinais desta verdade em todos os seres humanos, que independentes da fé que professam, se professam…penso ser inegável a percepção de uma misteriosa sede do querer amar (indicativo da imagem do Pai eterno que ama), desejo misterioso, ou carência de ser amado (sinal da imagem do Filho, o eterno amado), e misterioso reconhecimento do amor em si mesmo (recordação, ainda que pálida, da imagem do Espírito Santo que é o Amor eterno entre o Pai e o Filho).
Todo este mistério amoroso que marca a realidade humana, quando é confrontado com o Amor Trinitário testemunhado na Sagrada Tradição e registado na Sagrada Escritura revela-se puro, condescendente e rico em compaixão, por isso não guarda rancor, mas pelo contrário está bem disposto a não desistir da criatura amada. Amor que elegeu um povo, preparou-o e, deste mesmo, saiu Jesus como o único o Salvador da humanidade (cf. Jo 4,22), que no Mistério do Amor Trinitário tornou-nos todos dignos de conhecer por quem somos amados desde toda a eternidade.
Logo, a celebração do sagrado Tríduo, é experiência pessoal e comunitária do insondavelmente sondável Amor Trinitário de Nosso Senhor, que é ao mesmo tempo insaciavelmente saciável, ou seja, é celebração do Mistério de Cristo, que é Mistério de Amor inesgotável em sua essência, mas não fechado ao ser humano que é chamado a conhecê-lo, nesta vida e na eternidade. Portanto o Amor Trinitário, não esgota a misteriosa e inquieta busca do Eterno, mas no dia-a-dia, domingo-a-domingo e ano-a-ano, ao ser testemunhado principalmente pelo Mistério da Igreja de Cristo, demonstra-se capaz de transformar os múltiplos mistérios da nossa vida, em formas de participação deste perene Mistério da fé, que no Sagrado Tríduo Pascal far-se-á presente e atual.