Examinemos como aproveitamos o tempo, a pontualidade, a ordem, os deveres familiares, a dedicação ao trabalho
Ao aproximar-se o final do Ano Litúrgico, a Igreja nos brinda com a conhecida Parábola dos Talentos (Cf. Mt 25, 14-30). Aquele que é a Sabedoria de Deus (Cf. 1 Cor 1, 24) nos oferece o caminho para assumir com dignidade a vida que nos foi dada de presente. A partir da parábola, “talento” veio a significar um dom, habilidade ou qualidade. Ao tempo da redação do Evangelho, talento era uma unidade monetária equivalente a cinquenta quilos de prata, correspondente a cerca de seis mil denários, e um denário era a diária de um trabalhador do campo. O servo da parábola que recebeu um talento tinha muito em mãos e podia fazer tanto com o que lhe fora dado.
As parábolas são propostas pelo Senhor para provocar positivamente, suscitando uma resposta de vida. Do dinheiro passamos à nossa história. Os servos somos nós; os talentos são as condições oferecidas por Deus a cada um; o tempo de viagem do proprietário é a vida; a volta inesperada é a morte, nossa páscoa pessoal; a prestação de contas é o juízo e a entrada na festa, o banquete da alegria, oferecido pelo Senhor, o Paraíso. No final de tudo, quando a obra de nossa vida estiver concluída, no tempo certo conhecido pelo Senhor da História, haveremos de entregar os dons que nos foram concedidos não para nossa vaidade, mas para servir e amar a Deus e ao próximo.
Como Deus não impõe, mas propõe, à sua proposta cabe uma resposta. Temos consciência de não sermos proprietários da própria vida, mas administradores dos dons de Deus. Nenhuma pessoa inventou sua vida, nem a planejou por conta própria. Na maravilhosa criação de Deus, todas as pessoas sejam consideradas como obras primas, a serem aperfeiçoadas no correr dos anos, contando com a inspiração do Espírito Santo, que não abandona qualquer um dos filhos e filhas de Deus. É condição de felicidade identificar o projeto de Deus a respeito de sua própria vida e buscar todos os meios para realizá-lo. Cabe a cada pessoa abraçá-lo, na maravilhosa aventura da liberdade, com a qual todos foram feitos, ao assumir responsavelmente os rumos da existência.
Assumir responsabilidades! Tarefa exigente que pede formação e preparação adequada. O processo educativo na família, na escola e na Igreja pode contribuir para que as crianças, adolescentes e jovens sejam iniciados para ter nas mãos o rumo da própria existência. Para todas as idades, inclusive para nós, adultos, tudo começa com o reconhecimento de que todos têm valor aos olhos de Deus e diante dos outros. Discriminar, humilhar e condenar pessoas não corresponde ao plano do Senhor, que quer todos vivos e felizes. Ninguém seja visto como massa sobrante em qualquer campo da convivência humana.
Constitui-se uma personalidade responsável quando se leva em conta as condições de cada um, considerando idade, formação recebida, condições de saúde, temperamento, ambiente familiar e referências culturais e ambientais. Faz-se necessário muitas vezes exercer o papel de “caça-talentos”, para descobrir uma quantidade considerável de tesouros escondidos. Nestes dias, um menino de dez anos me foi apresentado como um dos líderes do projeto de evangelização numa das Paróquias da Arquidiocese de Belém. Como foi significativo ver o brilho dos olhos daquele que se sabe missionário! Sem forçar e exigir mais do que pode oferecer, ele se torna sinal para muita gente crescida!
Responsabilidade se aprende e há de ser assumida pouco a pouco, quando alguém se arrisca, confia e lança o outro para voos mais ousados. Há muita gente aguardando este voto de confiança! O Senhor faz assim conosco, agindo “como a águia que incita a ninhada, esvoaçando sobre os filhotes, também ele estendeu as asas e o apanhou e sobre suas penas o carregou” (Dt 32, 11). Responsabilidade se consolida com dedicação, tempo, preparação das atividades, coragem para rever e recomeçar quando acontecem falhas, superação de julgamentos com os eventuais fracassos, idealismo cultivado com afinco.
Vale a pena até detalhar um caminho de revisão pessoal de vida, a esta altura do ano. Examinemos como aproveitamos o tempo, a pontualidade, a ordem, os deveres familiares, a dedicação ao trabalho. Como temos oferecido as qualidades e talentos recebidos para servir a Deus e ao próximo? Temos olhado ao redor para ver o que é possível fazer pelo bem comum na Paróquia, no bairro em que vivemos, ou, quem sabe, nas associações e organismos aos quais estamos ligados? Outro ponto para uma revisão corajosa da vida é “fazer bem feito”. Basta olhar para Deus, que fez tudo e todos como obra de arte, para entender que nossa passagem por este mundo, por sinal, muito breve, pode deixar um rastro de dedicação e amor. Até para o equilíbrio pessoal é importante realizar por inteiro as tarefas! E dentre os dons oferecidos pelo Senhor, venha em relevo o presente da Palavra de Deus. Faz parte da responsabilidade do cristão não reter para si o conhecimento das coisas de Deus, mas oferecê-la aos demais.
A liturgia da Igreja, celebrada neste final de semana, faz preceder a Parábola dos Talentos com um esplêndido texto do livro dos Provérbios: “Uma mulher forte, quem a encontrará? Ela vale muito mais do que as joias. Seu marido confia nela plenamente, e não terá falta de recursos. Ela lhe dá só alegria e nenhum desgosto, todos os dias de sua vida. Procura lã e linho, e com habilidade trabalham as suas mãos. Estende a mão para a roca e seus dedos seguram o fuso. Abre suas mãos ao necessitado e estende suas mãos ao pobre. O encanto é enganador e a beleza é passageira; a mulher que teme ao Senhor, essa sim, merece louvor. Proclamem o êxito de suas mãos, e na praça louvem-na as suas obras!” (Pr 31, 10-13. 19-20. 30-31). Fortaleza, confiança, capacidade para oferecer alegria aos outros, trabalho, habilidade, partilha, temor do Senhor. Tais valores continuam atuais e se tornam talentos preciosos a serem postos “em circulação” em nossos dias! Homens e mulheres de todas as idades os assumam com responsabilidade.