A beleza de Deus está refletida em Nossa Senhora, que foi concebida sem pecado original
No dia 27 de julho de 2013, o Papa Francisco se encontrou com um grupo de bispos brasileiros que participavam da Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro. Dentre os temas abordados, um deles – que teve como título: “Aparecida, chave de leitura para a missão da Igreja” – poderia ser visto como uma síntese atualizada e adaptada para o Brasil, da obra que São Luís Maria Grignion de Montfort escreveu em 1712: “Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem Maria”. Trazemos seu pensamento resumido em alguns tópicos mais incisivos.
Foto: cancaonova.com
As lições de Aparecida
Em Aparecida, Deus deu ao Brasil a sua própria Mãe e, com ela, uma lição sobre a sua maneira de ser e de agir, impregnada de humildade, que é o traço essencial de Deus, o seu DNA.
Tudo começa com as privações sofridas por pobres pescadores: muita fome e poucos recursos! As pessoas precisam de pão. Também hoje – não se deve esquecer – os homens partem sempre de suas carências, inclusive em sua busca religiosa.
Os pescadores dispõem apenas de um barco frágil e inadequado, e as redes são rotas e insuficientes.
No início, há a labuta, o cansaço. O resultado é escasso. Apesar dos esforços, as redes estão vazias. Depois, quando foi de sua vontade, Deus aparece em Seu mistério. As águas profundas sempre encerram a possibilidade de um encontro com Deus. Ele surge de improviso, talvez quando já se comece a perder a esperança. A paciência dos que o aguardam é posta à prova. Deus chega de maneira inesperada: numa imagem de barro frágil, escurecida pelas águas do rio, envelhecida pelo tempo. Deus sempre vem nas vestes da fraqueza, da pequenez, da pobreza.
É a estátua da Imaculada Conceição. A Senhora Aparecida se apresenta com os traços de uma raça marginalizada. Primeiro, o corpo; depois, a cabeça. Em seguida, a junção do corpo e da cabeça. O que estava separado retoma a unidade. O Brasil colonial era dividido pelo muro da escravidão e das castas. Pelas mãos dos pescadores, o que estava quebrado se recompõe.
É a grande lição oferecida por Deus a Seus filhos. Sua beleza refletida na Mãe, concebida sem pecado original, emerge da obscuridade do rio. Em Aparecida, desde o início, Deus fala de recomposição do que está fraturado, de compactação do que está dividido. Muros, abismos, distâncias que ainda hoje existem devem desaparecer. A Igreja não pode esquecer sua missão de ser instrumento de reconciliação.
Há muito que aprender na atitude dos pescadores. Como eles, a Igreja precisa acolher o mistério de Deus com simplicidade e intensidade. É assim que conseguirá encantar as pessoas. Somente a beleza de Deus pode atrair.
Um Deus que é próximo
Deus se faz levar para casa. Ele desperta no homem o desejo de guardá-lo em sua própria vida, na própria casa, em seu coração. Ele faz nascer em nós a vontade de chamar os vizinhos para lhes dar a conhecer a sua beleza. A missão nasce dessa fascinação divina, desse encontro maravilhoso. Os pescadores chamam seus vizinhos para verem o mistério da Virgem. Sem essa simplicidade e esse entusiasmo, a nossa missão está fadada ao fracasso.
A Igreja não pode esquecer a lição de Aparecida. As redes da Igreja são frágeis, talvez remendadas; a barca da Igreja não tem a força dos grandes transatlânticos que cruzam os oceanos. Contudo, Deus quer se manifestar através dos nossos meios pobres e fracos, porque quem age é sempre Ele.
O resultado do trabalho pastoral não assenta na riqueza dos recursos, mas na criatividade do amor. Certamente, não deve faltar a tenacidade, a fadiga, o trabalho, o planejamento, a organização; mas não se pode esquecer que a força da Igreja deve ser buscada nas águas profundas de Deus, onde ela é chamada a lançar as suas redes.
Por fim, convém lembrar que Aparecida nasceu numa encruzilhada do Brasil: na estrada que ligava Rio (a capital) com São Paulo (a Província empreendedora que estava nascendo) e Minas Gerais (as riquezas cobiçadas pelas cortes europeias), Deus aparece em cruzamentos, com direções e sentidos diferentes. A Igreja no Brasil não pode esquecer esta vocação inscrita em si mesma desde a sua primeira respiração: ser capaz de sístole e diástole, recolher e irradiar, espiritualidade e missão.
Dom Redovino Rizzardo, cs
(In Memoriam)