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O que eu ganho por rezar?

Para aqueles que entendem que uma das funções da oração é a de reverenciar a Deus que nos criou e nos mantém vivos, louvando-O e adorando-O, essa pergunta pode parecer absurda. Mas é preciso lembrar de que vivemos num tempo extremamente utilitarista, onde a relação custo-benefício é constantemente investigada e, mesmo nas coisas espirituais, existe uma desconfiança sobre o que se ganhará fazendo ou deixando de fazer isso ou aquilo.

Dentro dessa lógica, pela minha oração, o prêmio mais óbvio seria o de Deus me conceder exatamente a realização daquilo que eu havia pedido rezando. Que outro prêmio poderia haver? No entanto, a prática nos diz que nem sempre recebemos o que pedimos. Por quê?

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Foto Ilustrativa: hidesy by Getty Images

Em primeiro lugar, São Tomás de Aquino nos lembra que a oração feita sem a graça santificante, assim como qualquer ato de virtude, não merece prêmio algum. Em outras palavras: se não estamos em estado de graça, isto é, livre dos pecados mortais, perdemos a comunhão com Deus e, portanto, o pecado atrapalha o mérito. Segundo o doutor da Igreja, “devemos dizer que, absolutamente falando, qualquer ato de caridade merece a vida eterna. Mas o pecado sobreveniente impede o mérito precedente de produzir o seu efeito”. Na prática da oração e, sendo bem realista, se não estamos em estado de graça, não merecemos o que pedimos. Deus pode concedê-lo (e, às vezes, o faz) por pura bondade, por misericórdia ou porque o pedido está de acordo com sua divina providência, mas não porque quem pediu, está apto a merecer. Lembrando de que, quando tratamos de “merecer”, estamos dizendo “direito a receber um prêmio por executar uma obra”. Nesse sentido, que é o que tratamos aqui, dizemos que o trabalhador “merece” o seu salário.

Qual o principal ganho da oração?

Nesse ponto, fatalmente levanta-se outra questão: “se realizei uma confissão completa e, portanto, posso presumir que estou em estado de graça, por que Deus não realiza o meu pedido? Não teve mérito?”.

Santo Agostinho responde a essa pergunta dizendo que: “Ao se pedir fielmente a Deus pelas necessidades da vida, por misericórdia, às vezes, Ele atende; outras, não; o que seja bom para o doente mais sabe o médico do que o próprio doente”. Traduzindo em linguagem teológica: o principal prêmio ou mérito da oração é a bem-aventurança ou salvação eterna, esse deve ser o nosso principal pedido ao rezar. Se não pedimos isso ou pedimos outras coisas além disso, só receberemos o que pedimos se for útil para a bem-aventurança eterna.

São Tomás ensina que, quem pede pela sua salvação, merece, ou seja, tem mérito pela própria oração que faz, pois, pede o que deve ser pedido. Além disso, ainda tem mérito também por realizar uma boa obra. Para ele não há duvida de que se vai receber a bem-aventurança que se pede, mas somente quando for oportuno receber. Por outro lado, se pedimos algo que não é útil para a nossa salvação, nunca merecemos aquilo que pedimos, mesmo que obtenhamos a salvação ou bem-aventurança eterna.

Como fazer uma oração que será sempre atendida?

Pode-se perguntar, no entanto, como fazer uma oração que será sempre atendida? É possível? Sim! Existem quatro condições que precisam ocorrer simultaneamente para que sempre se receba o que se pediu em oração, estando em estado de graça:

1. Pedir para si mesmo;
2. Pedir coisas necessárias para a salvação;
3. Pedir piedosamente;
4. Pedir perseverantemente.

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Condigno e côngruo

Sobre o segundo ponto, já tratamos mais acima. A respeito do primeiro, pode-se dizer que, se realizamos a ação de rezar, temos mérito, pois realizamos a obra de recorrer a Deus pela nossa salvação. Só que esse é um mérito indireto, ou seja, eu não consigo a salvação por rezar. Rezando, eu apelo a Jesus Cristo que, por seus méritos (ele sim, trabalhou por isso) me concede a salvação. O mérito de Jesus é, por isso, chamado de “condigno”: por Sua Paixão, Morte e Ressurreição, Ele adquiriu o prêmio da salvação da humanidade.

Este outro mérito que temos quando pedimos pela nossa salvação é chamado de “côngruo”, ou seja, é um prêmio dado porque Deus quis compartilhar gratuitamente, não porque realizamos uma obra à altura desse merecimento. É a diferença em pagar o salário combinado ao trabalhador que executou seu contrato (condigno) e acrescentar uma soma a mais por pura liberalidade ou pagar um serviço que nem foi executado devidamente porque decidimos assim fazê-lo (côngruo).

Salvação

Voltando à oração pelos outros, se o prêmio que obtemos por rezarmos pela nossa salvação é um mérito de côngruo (só Jesus tem real direito a ele, só Jesus tem mérito de salvação condigno), é impossível eu transferi-lo para o meu irmão. Não posso merecer para outro o que nem mereço para mim. Claro, Deus pode até realizar aquilo que, rezando, eu peço para meu irmão, mas não é porque ele “merece” ou eu “mereci”. Afinal, esse irmão, por si mesmo, não tem mérito nem de condigno nem de côngruo, pois não realizou obra alguma nem está pedindo para participar dos merecimentos de Cristo. Só que, não se preocupe, veremos em outro artigo que devemos rezar pelos outros, sim, mas agora tratamos somente da oração que sempre será atendida e suas quatro condições que, lembremos, devem ocorrer simultaneamente.

Piedade

Em terceiro lugar, e juntos com as demais, devemos rezar piedosamente. Isso quer dizer: com a reverência, o louvor, a gratidão, a delicadeza, a atenção e tudo mais que se pode dizer que é devotamente bem feito a Deus. Como diz Santa Teresa de Jesus: não pode-se considerar oração, se você não toma verdadeira consciência de com quem está falando, da imensa diferença existente entre Ele e nós, bem como se não presta-se atenção como se fala. Por exemplo, não é orar piamente e, além disso, perde-se o mérito da oração para Deus, se pedimos em oração o cumprimento de algum pecado. Parece absurdo, mas infelizmente muita gente não se dá conta do que está fazendo quando pede em oração a morte de alguém, o prejuízo do próximo ou a realização de algo ilícito ou imoral.

Perseverança

Por último, para ser eficaz, a oração precisa ser perseverante. Na maioria das vezes, não se recebe porque não se persevera. São Basílio Magno, lista essa razão entre outras quando diz para o cristão que “às vezes, não recebes o que pedes na oração porque pedistes mal ou sem piedade, ou levianamente, ou o que a ti não convém, ou não perseveraste”.

A perseverança na oração vem corrigir nossa própria inconstância, dando-nos firmeza para prosseguir. Também nos ajuda a corrigir a distração que nos faz preocuparmo-nos com muitas e desnecessárias coisas ao mesmo tempo e a leviandade de quem “pede por pedir”. Como vimos no segundo artigo  dessa série, a perseverança na oração, segundo Santo Afonso de Ligório, além de corrigir a própria condição transitória deste mundo que nos faz perder o foco, mantém-nos livres dos perigos da tentação e de nossa própria inconstância de ideias.

À medida que vamos nos aprofundando sobre o que é a oração, e já vimos que é necessário rezar e que existe mérito nessa ação perante Deus, veremos, no próximo artigo, porque é tão importante rezar.