Reflita

Eu preciso mesmo rezar?

Se fôssemos simplesmente generalizar, poderíamos dizer que a primeira desculpa dada por aqueles que não rezam é: “não tenho tempo”. A segunda seria: “não consigo ter vontade de rezar”. Considerando que, invariavelmente, arruma-se tempo para aquilo que se tem muita vontade de fazer (se a questão for somente conseguir tempo), localizamos a vontade, ou para ser exato a falta de vontade, como um grande vilão da vida espiritual. Sim, da vida espiritual como um todo, pois a oração é a porta de entrada da vida no Espírito.

No entanto, como vimos no artigo anterior, a oração é própria do intelecto e não da vontade. Embora existam causas para se ter maior ou menor vontade de rezar, o critério não pode ser, de forma nenhuma, ter ou não ter vontade para rezar. Muito pelo contrário, pode-se dizer, com segurança, que a oração é absolutamente necessária para o ser humano (1Tes 5,17), e como tudo que é necessário, não pode ser feito ou não ser feito baseado na vontade. Simplesmente deve-se fazê-lo.

Aos poucos, vamos lançando luzes sobre essa questão que parece tão estranha e tão complicada. Examinemos, primeiro, outras desculpas mais elaboradas para a falta da vida de oração como, por exemplo, aqueles que questionam: se Deus sabe todas as coisas e, segundo o Evangelho de Mateus (6,26-32), está atento a todas as nossas necessidades e cuidando de nós, por que precisamos pedir-Lhe algo por meio da oração?

Eu preciso mesmo rezar?

Foto ilustrativa: Wesley Almeida/cancaonova.com

Rezar é uma forma de aproximação com Deus

Embora Deus, realmente, saiba de tudo e esteja atento, permanentemente, às nossas necessidades, vimos que um objetivo essencial da oração é nos aproximarmos d’Ele. Nesse sentido, não levantamos a Deus nossas orações, porque Ele não conheça nossas necessidades ou não se importe com elas, mas para que nós mesmos reconheçamos que é fundamental recorrer ao auxílio divino, aumentemos nossa intimidade com Ele, nossa confiança, entregando-Lhe nossas preocupações e percebendo, finalmente, que só Ele pode ser o Autor de todas as coisas boas que temos e recebemos.

É também uma visão equivocada aquela que, por considerar Deus eterno e imutável, e, baseado em Números (23,19), incapaz de mudar de ideia, acreditar que não vale a pena rezar. Afinal, como pedir que Deus mude o curso de uma história em progresso ou um acontecimento já realizado se foi Sua providência que assim dispôs as coisas? Novamente, a leitura está correta e a interpretação errada. Deus é imutável, Ele dispõe as coisas eternamente, Ele não muda de opinião, mas, segundo São Tomás de Aquino, nossas orações não são para mudar os desígnios de Deus, mas para conseguir d’Ele exatamente o que Ele dispôs que acontecesse se rezássemos.

Santo Afonso de Ligório vai um pouco mais longe ao dizer que “sem a oração, segundo a providência ordinária de Deus, serão inúteis todas as meditações, todos os propósitos e todas as promessas. Se não rezarmos, seremos infiéis a todas as luzes recebidas e a todas as nossas promessas.” Ou seja, além de Deus só conceder certas graças ou permitir a concretização de certos desígnios se o ser humano rezar, sem a oração para implorar que Deus nos sustente no dia a dia, mesmo as decisões que já tomamos e queremos manter seriam pesadas demais para realizarmos sem o auxílio d’Ele.

A oração como sustento e força

Bem concretamente, por meio da oração recebemos luzes para realizar os desígnios de Deus e também, somente pela oração podemos receber forças e continuarmos fiéis para realizar o que Ele estabeleceu que acontecesse se, e somente se, rezássemos! São Tomás nos diz que essa é a maneira que Deus estabeleceu para que os seres humanos consigam colaborar com sua própria salvação: a oração.

Santo Agostinho volta ao mesmo tema dizendo: “Deus dá algumas graças, como o começo da fé, mesmo aos que não a pedem; outras, como a perseverança, reservou somente para os que pedem.” Salienta, assim, que o rezar ou pedir faz com que o homem participe da providência divina, fazendo aquilo que, na maioria das vezes, é só o que ele, na sua miséria, pode fazer: suplicar. Essa verdade ecoa nos evangelhos quando Jesus diz aos apóstolos que, sem Ele, nada pode ser feito (Jo 15,5).

É preciso também combater aquela ideia errônea de que o mundo é um mecanismo que existe por si só. Ou seja, pode-se até acreditar que Deus criou o mundo, mas criou de uma maneira que funcionasse por si mesmo e não precisasse mais de seu Criador. De fato, Deus mantém, e precisa manter, todas as coisas na existência constantemente. Qualquer um – coisa ou universo – que não fosse sustentado por Deus, a cada segundo, deixaria de existir naquele mesmo segundo. Revertendo para a oração, acredita-se que Deus é um Criador distante, cresce a distorção de se achar que Ele não se ocupa das coisas humanas. Se Deus não está próximo a mim, por que rezar? É baseado nessa visão distorcida e distanciada de Deus que se alimenta o desleixo com a oração: se Ele não me escuta, para que rezar? Ou se existe mal no mundo, Deus, certamente, não está cuidando dele. Se fulano, que era tão bom, morreu, Deus não está próximo! Contra essas visões, Santo Tomás argumenta que Deus, realmente, permite certas deficiências em certas condições pelo bem universal que Ele conhece e conduz com sua providência. De fato, se nenhum animal deve morrer, como o leão poderá se alimentar? Se o homem santo não é humilhado nem perseguido, como ele pode ser purificado e desenvolver a paciência?

Providência divina

Inversamente, há aqueles que não rezam por acreditar em destino, carma, sorte, fortuna, pré-disposições astrológicas ou o desenrolar das coisas sem a interferência de ninguém. Esse pensamento exclui a ação de Deus, a liberdade de escolha do homem e, consequentemente, a própria oração. Mais infelizes ainda são aqueles que justificam esse destino consolidado como sendo a providência divina. Para estes, Deus sabe quem irá se salvar ou não, e não há nada que possa ser feito para reverter ou apoiar o que está estabelecido. Confunde-se, aí, a onisciência de Deus com Sua providência. De fato, a providência de Deus conduz todas as coisas, mas não como manipulação, pois está aberta às causas segundas, ou seja, a outras ações que não são conduzidas diretamente por Ele.

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De novo reforçamos o que já foi dito: Raquel não terá filhos, a não ser que Isaac reze para que ela engravide (Gn 25,21). Maria será a Mãe do Salvador se, e somente se, ela assentir a isso com sua vontade (Lc 1,38). Isso porque a providência divina age por diversas formas, inclusive por meio dos atos humanos. Assim, cabe ao homem realizar livremente alguns efeitos dispostos por Deus. Santo Tomás sintetiza isso de forma clara ao dizer que “não oramos para mudar o que foi disposto pela providência divina, mas para que façamos o que Deus dispôs para ser realizado devido à oração dos santos.”

A oração, portanto, não muda o pensamento de Deus, ela nos ajuda a entendê-Lo e, mais ainda, a realizá-Lo, por isso, é fundamental. Ao mesmo tempo, faz-nos reconhecer nossa fraqueza e aumentar nossa confiança e intimidade com Ele, participando de Seus projetos, sendo, assim, absolutamente necessária. Mas será que Deus não premia com outros benefícios quem reza? Debruçaremo-nos sobre isso no próximo artigo desta série sobre a oração.