Oração

Quais são os motores da vida espiritual para alcançar as moradas?

Reflita sobre o motor da vida espiritual

Neste sétimo artigo sobre o Caminho Espiritual, vamos nos dedicar a entender melhor os graus de oração necessários nas primeiras moradas e como alcançá-los.

Vimos, com Santa Teresa de Jesus que, após rompermos de vez com o pecado mortal em nossa vida, a reflexão e a oração nos ajudarão a avançar pelas moradas rumo à união plena com Deus.

A reflexão nos ajudará a mudar tudo o que precisamos corrigir em nós, principalmente na primeira parte do caminho espiritual, na via ascética, que abrirá caminho para que Deus possa atuar em nós. Ela nos ajuda a colocarmos em ordem nossa inteligência e vontade.

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Foto Ilustrativa: Halfpoint by Getty Images

São Tomás de Aquino alerta que, quando nossa vida não é regida por nossa inteligência e vontade, ou seja, quando somos dominados pelas nossas paixões, desejos e manias, estes nos conduzem e nos rebaixam na ordem natural. Deixamos de ser regulados por atos puramente humanos, aqueles que vêm da razão e atuam por meio da vontade (ST III-Q19A2).

Para nós, no entanto, esse não é um esforço puramente humano. Graças a Deus, aderimos ao Cristo por meio do batismo e contamos com a graça santificante. Então, ao mesmo tempo que combatemos tudo o que não é bom em nós, podemos construir, com a ajuda de Deus, tudo o que é bom. Não é necessário vencer todo o humano para depois investir no divino. Assim, a maneira que temos de construir a vida espiritual em nós e progredirmos cada vez mais, enquanto ainda lutamos contra nossas imperfeições, chama-se oração. Mas, como foi dito no artigo anterior, não é qualquer oração, somente a oração verdadeira.

Santa Teresa de Jesus deixa bem claro que, quando falamos ou repetimos fórmulas prontas sem prestar atenção a quem falamos, do que falamos e sem estarmos com nosso coração e mente envolvidos no que fazemos, não estamos rezando. Isso não é oração (Castelo 1M 1,7). A oração verdadeira só se dá quando nossa inteligência e vontade estão unidas com atenção, com reverência e amor em um relacionamento com Deus. O resto é mover os lábios, não é falar com Deus.

Que fique claro: não há problema em repetir pais-nossos e ave-marias, ou quaisquer outras orações, desde que se esteja atento ao que se está fazendo, ou seja, sua mente e seu coração estejam envolvidos no processo. A verdadeira oração é diálogo, não enxurrada de palavras perdidas e desatentas (Mt 6,6).

Além da divisão da vida espiritual em sete moradas ou níveis, a teologia ascético-mística propõe uma outra divisão baseada na oração: os nove graus de oração. Não se confunda: o caminho é o mesmo, somente a divisão é diferente. O nono grau de oração ou união transformativa corresponde exatamente à sétima morada ou matrimônio espiritual. Somente o foco dessa divisão é o modo como nossa oração vai mudando à medida que avançamos na vida espiritual.

Nas primeiras moradas, precisamos aprender os dois primeiros graus de oração. Eles nos ajudarão a avançar até as segundas moradas.

Os primeiros grau de oração – Oração Vocal e Oração Mental

A chamada oração vocal é o formato mais simples de oração. Ela se dá quando falamos com Deus, daí o nome de vocal. Assim, podemos falar com Deus usando nossas próprias palavras ou repetindo uma oração tradicional. Não é necessário mover os lábios, se você conversa com Deus ou usa uma oração decorada dentro de sua cabeça, sem que ninguém ouça nada, isso é oração vocal.

O problema do “decorado” é o automatismo. Não existe cristão no piloto automático. Ir à Missa, porque sempre vai; rezar, porque “é hora” ou “está acostumado”, sem uma verdadeira decisão atual interior, é uma grande mentira. Começamos a viver o que vivia o farisaísmo tão combatido por Jesus nos Evangelhos: por fora, sepulcros bonitos e pintados; por dentro, somente podridão (Mt 23, 27). Então, faça de sua oração vocal uma verdadeira oração: com sentido, sabendo o que está falando, sabendo com quem está falando. Atenção e piedade são, portanto, fundamentais.

Esse primeiro grau de oração, embora o mais elementar, nunca será abandonado à medida que se avança na vida espiritual. Ele somente irá se aprofundar cada vez mais, e as palavras (sejam nossas ou de outros) ganharão cada vez mais sentido e eficácia.

O segundo grau de oração para a qual você deve avançar imediatamente chama-se oração mental ou meditação. Se a oração vocal é falar com Deus, a meditação é pensar em Deus. A qualquer momento que pensamos em Deus, na maravilha de Suas obras, no Seu amor que nos salvou, na Sua grandeza e bondade, ou em qualquer outro motivo que nos recorde d’Ele, estamos rezando. Isso também é oração, oração mental. Não dá para pensar em Deus sem nos unirmos a Ele, não é possível lembrar de Deus sem estar rezando.

Avançar na meditação cristã significa começar a fazer isso cada vez mais constantemente e de propósito. A melhor maneira de nos aprofundarmos nesse grau de oração é utilizar as Sagradas Escrituras para este fim. Desse modo, lemos a Bíblia e procuramos entender uma verdade ali exposta naquela passagem que lemos; depois, procuramos meditar sobre essa verdade sobrenatural, convencer-se dela e amá-la cada vez mais. Amá-la tanto ao ponto de praticá-la, assumi-la para a nossa vida. Aí está a diferença entre entender e aprender: a prática diária.

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Como realizar a leitura orante da Bíblia?

Existem vários métodos estabelecidos pela Igreja para realizar essa leitura orante ou meditativa da Bíblia, também chamada de Lectio Divina. A Canção Nova utiliza e divulga o método criado por monsenhor Jonas Abib, “a Bíblia no meu dia a dia”. O importante é aprofundarmo-nos o máximo possível nesse segundo grau de oração. Também deve estar claro que a oração mental ou meditação não se resume à leitura da Bíblia ou ao estudo da Palavra. Qualquer coisa que leio, até esse artigo, pensando em Deus, já é exercício de oração mental.

A vantagem de utilizar preferencialmente a Bíblia para esse fim é que ela não só nos ajudará a estar em oração, ou seja, em contato com Deus, mas também nos ajudará a reformar a nossa vida e nos converter cada vez mais. A Palavra de Deus atua em nós das duas maneiras que precisamos para avançar nas moradas: construindo o novo e demolindo o antigo, aquele que não corresponde a uma vida de graça.

Ricardo de São Vitor, no seu Benjamin Menor, comenta a passagem em que Jacó, após trabalhar sete anos para se casar com Raquel, recebe Lia, irmã dela, por esposa (Gn 29, 25). Ele foi enganado por seu sogro Labão. Pode parecer um absurdo um homem trabalhar duro para se casar com alguém e não perceber que a esposa que recebeu na lua de mel era outra, mas Ricardo diz que isso é uma figura do que acontece conosco o tempo todo: buscamos as Sagradas Escrituras querendo a sabedoria de Deus (Raquel), e depois de muito estudar e meditar, não recebemos a sabedoria, mas a consciência de nossos pecados (Lia). Isso, por hora, é o que podemos ter e nos ajuda a querer ser melhores. Percebemos que ainda não estamos prontos para a sabedoria, mas que devemos avançar na autorreflexão. Por isso, Jacó trabalha mais sete anos para ter o direito de se casar agora com Raquel. Trabalho, esforço, autorreflexão, derrubar o que não pertence a Deus em nós: a via ascética começa a se desenhar em nós.

Veja que, pouco a pouco, vamos desenhando o caminho da vida espiritual. Releia os artigos até aqui, anote as dicas para avançar no amor a Deus e restaurar Sua presença em nós. Como se trata mais de viver do que saber, é necessário colocar em prática. As primeiras moradas são bem longas e precisam ser sólidas, não adianta avançar em conhecimento se isso não se traduz em santidade de vida. Ficam como dicas: invista duramente nas virtudes, principalmente a paciência e a temperança, e invista muito na oração. Tenha horários e método para a oração vocal e trabalhe sempre que possível a oração mental no dia a dia. Claro: não se esqueça de tirar um tempo para meditar as Sagradas Escrituras. Comece pelos Evangelhos, e lembre-se de que a Lectio Divina é o modo mais eficaz para desenvolver a meditação em Deus e em tudo que precisamos melhorar em nós.

No próximo artigo, veremos como, vivendo em estado de graça, Deus mesmo intervém nas primeiras moradas com as ferramentas necessárias para nos conduzir à Santidade. Ninguém se faz Santo sozinho e, se correspondermos à graça, Ele não nos deixará caminhar sem os meios necessários para progredir.