Virtudes Josefinas

São José, o artesão do silêncio

São José viveu uma vida praticamente anônima. No silêncio dos dias, ocultou-se dos olhares curiosos e dos comentários desnecessários. Em tempos de superexposição, pode ser que seja por isso que São José não desperte tanto a atenção das pessoas. Era um homem comum, artesão de uma aldeia simples, cujas palavras por ele pronunciadas não encontramos nos evangelhos. Poderia esse homem despertar atenção em uma sociedade que idolatra personalidades e constantemente busca por pessoas que despertem curiosidade? A vida e as virtudes de São José ultrapassam a mentalidade superficial de muitas pessoas do nosso tempo. Como esse homem, que nunca escreveu absolutamente nada e em cujos evangelhos não encontramos uma fala de sua autoria, pode ser relevante para os cristãos de hoje? O seu silêncio é para nós uma lição esmagadora em meio a uma sociedade que se alimenta da poluição dos aplausos e busca a luz dos holofotes.

São José nos ensina que não é o nosso brilho ilusório da superioridade diante das demais pessoas que agrada a Deus, e sim o dever de cumprirmos com amor e humildade nossas pequenas tarefas cotidianas. São José passa pelos Evangelhos como uma sombra, sem fazer ruídos ou agitações, despercebido. Esse fato muito nos ensina, pois queremos ser ouvidos à força das palavras. Queremos evidência e São José busca o silêncio do anonimato.

São José, o artesão do silêncio

Foto Ilustrativa: by Getty Images / Sidney de Almeida

Não encontramos nenhuma queixa que sai da boca de José quando precisa deixar Nazaré e ir até Belém para cumprir a ordem do recenseamento. Nenhuma reclamação de humilhação verte de sua nobre alma, quando não encontra um lugar para o nascimento do Messias. O silêncio de José nos desinstala de nossas reclamações arraigadas em nossa alma. Nos tornamos uma sociedade demasiadamente insatisfeita e que deseja ser ouvida pela força dos gritos e imposições egoístas. O silêncio de José não é vazio de sentido, mas preenchido com a divina presença de Deus. Um silêncio ausente de palavras, mas cheio de um significado contemplativo.

O que São José nos ensina com seu silêncio?

O silêncio de José ensina-nos a virtude da fortaleza. Queremos dar explicação para tudo, ou exigem de nós explicações, do porquê fizemos isto ou deixamos de fazer aquilo. Queixamos das contrariedades da vida e das desventuras de nossos planos. Desejamos ser ouvidos. Até mesmo sentimos necessidade de que nossos empreendimentos tenham aprovação de todos, caso contrário, não nos sentimos seguros o suficiente sobre a decisão que adotamos. O silêncio josefino faz germinar em nossa alma a fortaleza espiritual que nos dá a segurança de realizarmos nossos projetos confiantes em Deus e não nos perdemos em explicações que causam dispersão e irritação. “In silentio et in spe erit fortitudo vestra” – “É no silêncio e na esperança que reside a vossa fortaleza” (Isaías 30,15). São José é o homem do silêncio que, nos momentos difíceis, esperou e depositou toda a sua confiança em Deus.

Aprendemos com São José a guardamos silêncio daquilo que não deve ser expresso. O orgulho e a vaidade são ervas daninhas perigosas que nos levam a dizer coisas a respeito das quais deveríamos ficar calados. Quando não sabemos silenciar, atiramos pedras que acabam ferindo e magoando o próximo. Por vezes, falamos o que não deveríamos falar de maneira proposital, porque sabemos que nossas palavras irão certeiramente atingir o outro. Para nos sobressairmos não medimos esforços para humilhar quem se faz refém de nossas palavras agressivas.

Não raras vezes buscamos depreciar ou rebaixar o próximo, pensando que agindo assim obteremos um reconhecimento à custa da humilhação alheia. De tais fontes da maldade brotam rancores, inimizades, divisões, desavenças, ofensas e desentendimentos de toda espécie.

São José não foi um homem de discussões, nem humilhava seus semelhantes pela força das palavras, muito menos se dedicava a contar seus problemas a quem estivesse disposto a escutá-los. A ele poderíamos aplicar o versículo bíblico: “Não clamará, não se exaltará, nem fará ouvir a sua voz na praça” (Isaías 42,2). José não ocupou a vida em descobrir as mazelas dos comportamentos de seus semelhantes, nem mesmo consumiu seu tempo em cuidar da vida alheia, mas vivia em Deus e para Deus, ocupando seus dias em estar na presença do Altíssimo.

Leia mais:
.: Papa Francisco instituiu o Ano de São José
.: O que é indulgência plenária? Como alcançá-la no Ano de São José?
.: Entenda porque o silêncio é a porta da vida interior
.: Três passos para viver a busca pela santidade 

Lições de santidade

Iluminados pelo silêncio de São José devemos ser extremamente cuidadosos sobre o que falamos e como nos expressamos. O que dizemos hoje continua a viver por muito tempo dentro de quem ouve. Uma vez que falamos ou publicamos nossos pensamentos, eles ganham vida fora de nós e, muitas vezes, podem escapar do nosso controle. As palavras quando não silenciadas ganham interpretações diversas cada vez que passam de boca em boca e podem perdurar por anos envenenando almas e destruindo vidas. Nossas palavras nos tornam responsáveis pelo mal que causamos ou pelo bem que propagamos. O silencio de José, profundo e contemplativo, ensina lições de santidade para todos os que falam demasiadamente sem pensar no mal que estão a perpetuar na alma do próximo.

São José poderia ter-nos comunicado coisas maravilhosas sobre Jesus, contudo, preservou com o seu silêncio a intimidade divina que habitava sua alma e deveria permanecer oculta, longe dos ouvidos curiosos e das línguas perigosas. Ele poderia ter falado muito, mas optou por guardar dentro do seu coração as bênçãos que contemplava. Essa atitude interior nos ensina que o caminho do silêncio é uma escada de graças para alcançarmos a paz.

O silêncio e a contemplação, virtudes josefinas, são caminhos que nos ensinam a atravessar com serenidade o nevoeiro das palavras agressivas, das fofocas maldosas, das opiniões contrárias, dos defeitos alheios, das vozes confusas e discordantes, para assim chegarmos com segurança onde realmente importa: a vontade de Deus para nossa vida.

banner_espiritualidade


Padre Flávio Sobreiro

Bacharel em Filosofia pela PUCCAMP e Teólogo pela Faculdade Católica de Pouso Alegre (MG), padre Flávio Sobreiro é pároco da Paróquia São José, em Toledo (MG), e padre da Arquidiocese de Pouso Alegre (MG). É autor de livros publicados pela Editora Canção Nova, além disso, desde 2011,  é colunista do Portal Canção Nova. Para saber mais sobre o sacerdote e acompanhar outras reflexões, acesse: @peflaviosobreirodacosta.