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Edith Stein, em busca de fundamentos

Uma característica marcante de Edith Stein é o amor e a determinação com que ela entra em um projeto e o desapego com que ela o abandona. Abandonar projetos e voltar-se para outros é algo bastante comum acontecer com as pessoas, especialmente na juventude, quando muitas atitudes são tomadas de modo apressado por insegurança e inconstância. Mas o traço peculiar que aparece em Edith é a motivação que a leva a empreender essas mudanças em sua vida e faz com que ela nunca se lamente do que foi deixado de lado. Quando toma novos rumos, o faz para manter-se fiel à sua procura de um fundamento, cada vez mais sólido, para a busca da verdade: a verdade sobre si mesma, sobre as outras pessoas, sobre o mundo e a história, a verdade sobre Deus. Ao encontrar um novo sentido, mais certo e mais seguro, ela consegue ressignificar o que está vivenciando, transformando o projeto anterior em um projeto mais elevado.

Edith faz isso, como já vimos anteriormente, quando decide sair da escola e mudar-se para Hamburgo, para ajudar sua irmã e sobrinhos. Quando volta para casa, decide fazer aulas de reforço, passa no teste de admissão e retoma os estudos do bacharelado para entrar na universidade. Outro exemplo ocorre nesse momento de sua mudança da Breslávia para Gotinga: Edith não vai abandonar completamente a psicologia ao encontrar um alicerce mais seguro para suas pesquisas sobre a natureza humana na Fenomenologia de Edmund Husserl. Em sua tese de doutorado sobre a empatia, defendida em 1916, ela parte de uma análise das concepções psicológicas de sua época, que tratam o tema da empatia, para depois apresentar como o método fenomenológico de Husserl possibilita tratá-la de modo mais profundo e verdadeiro. Infelizmente, essa primeira parte de sua tese não foi publicada com a parte propriamente filosófica, por causa da falta de recursos na Alemanha, que ainda estava em guerra, mas ela é continuamente referenciada no texto; e o diálogo com a psicologia será retomado logo em seguida, na obra trabalhada após a da empatia sobre a causalidade psíquica.

Edith Stein, em busca de fundamentos

Edith e o desapego dos próprios projetos

Edith tinha realmente uma facilidade muito grande em deixar um projeto, como ela fez ao longo de sua vida em suas empreitadas intelectuais, assim como nas relações amorosas que teve ao longo de sua vida adulta. Edith se apaixonou por dois ou três rapazes, com quem ela queria ter um relacionamento, mas ela não foi correspondida. Sofreu muito, mas seguiu em frente e não desistiu nunca de buscar o verdadeiro amor, até o encontrar em Jesus Cristo. Seus planos eram ter casado, formado uma família, ter filhos, mas, depois, ela entende que o amor verdadeiro que ela desejava já aqui na terra só poderia mesmo ser correspondido pelo seu Salvador. Para entrar no Carmelo de Colônia, precisou fazer a maior renúncia que lhe tinha sido pedida até então: abandonou a vida da família, especialmente a convivência com sua mãe, já bem idosa, inconformada com a decisão tomada pela filha caçula. Apesar da despedida cheia de dor, quando Edith entra no trem que a conduzirá para Colônia, sente-se extremamente feliz e realizada. Anos mais tarde, escreve em seu escrito autobiográfico: “Como cheguei ao Carmelo de Colônia”1: “Tornava-se realidade aquilo que eu jamais ousara pensar que aconteceria. Era impossível me sentir tão transbordante de alegria. O que eu acabava de viver tinha sido terrível, mas eu me sentia profundamente em paz – no porto seguro da vontade divina” (EA, p. 560).

Ela escreve que nunca teve dúvida em escolher o Carmelo, pois lá ela realizou o seu grande sonho de casar e ter filhos. Como carmelita, ela se torna mãe espiritual, não apenas de algumas pessoas, mas de toda a humanidade, especialmente ao entregar a sua vida em oferta de holocausto, registrada em seu testamento algum tempo antes de sua morte no forno crematório de Auschwitz-Birkenau.

Vamos seguir mais de perto essas etapas da vida de nossa querida Edith, para aprender com ela como entregar a vida nas mãos de Deus, sem deixar de esforçar-se ao máximo para cooperar com a graça, mesmo sem saber ainda para onde ela nos levará.

Amor pela Fenomenologia

A partir de abril de 1913, Edith Stein continua seus estudos universitários, em Gotinga, seguindo os seminários de Husserl. Ela relata, em seus escritos autobiográficos, que não teve nenhuma dúvida em deixar os estudos de psicologia na “alma mater” (a Universidade de Breslau) para dedicar-se à Fenomenologia, pois havia encontrado no pensamento de Husserl os pressupostos que procurava para empreender a sua análise da natureza humana. Ela estava convencida de que “Husserl era o filósofo” de sua época (STEIN, 2018, p. 273). A Fenomenologia a fascinava, pois “constitua fundamental e essencialmente em um trabalho de clarificação, e desde o início ela mesma havia elaborado os instrumentos intelectuais de que necessitava” (STEIN, 2018, p. 277).

Em 1913, Husserl acabava de publicar o primeiro volume da sua obra: “Ideias para uma fenomenologia pura e uma filosofia fenomenológica” (Ideias I), no “Anuário de Filosofia e investigação fenomenológica”². Nesse texto, ele explicita, pela primeira vez, o que entende por uma “Fenomenologia Pura” (transcendental). Não é bem compreendido e começa a receber críticas de seus colegas e discípulos, dizendo que ele havia recaído numa espécie de idealismo como fuga do mundo objetivo, que ele havia criticado, em sua obra anterior, as Investigações lógicas. Nesse contexto, em que ele está ouvindo essas críticas e as rebatendo, Edith conhece Husserl. Ela demonstra tanta rapidez e clareza na compreensão do método fenomenológico, tendo lido apenas as Investigações Lógicas, o que o deixa impressionado. Ela conta em sua autobiografia que, nessa primeira entrevista, o professor Husserl logo assinou a sua autorização para seguir os seus seminários na Universidade; e a convida a participar do círculo dos alunos mais próximos a ele, a “Sociedade Filosófica”, também conhecida como “Círculo dos fenomenólogos”.

Imediatamente após a conversa com Husserl, Edith sai exultante e compra o recém lançado: “Ideias para uma fenomenologia pura”, onde aprofunda aquilo que já havia intuído a respeito do método fenomenológico.

Audaciosa e determinada

Naquele semestre de verão de 1913, Edith segue o curso de Husserl intitulado “Natureza e espírito”, onde ele apresenta as suas pesquisas para estabelecer os fundamentos fenomenológicos para as Ciências da Natureza e as Ciências do Espírito³. Os manuscritos desse seminário, trabalhados posteriormente pela própria Edith Stein como assistente de Husserl, de 1916 a 1918, dará origem ao segundo volume das “Ideias para uma fenomenologia pura e uma filosofia fenomenológica” (Ideias II).

Edith também é convidada, com Rose Guttmann, sua grande amiga, e seu colega mais velho, George Moskiewicz, o “Mos”, que já conhecia Husserl há mais tempo, a participar de uma reunião na Sociedade Filosófica. Ela relata como foi esse primeiro encontro:

“Pouco após a chegada de Moskiewicz a Gotinga, a Sociedade Filosófica organizou também sua primeira reunião do semestre. Era o grupo restrito dos alunos de Husserl que se reuniam uma tarde por semana para discutir temas precisos. Rose e eu não tínhamos a menor consciência de nossa audácia ao nos encontrarmos de imediato entre aqueles escolhidos. (…) Na verdade, podia passar-se todo um semestre antes que se soubesse daquela reunião, e, uma vez que se era introduzido aí, ficava-se respeitosamente em silêncio ao longo de meses antes de ousar abrir a boca. Eu, no entanto, logo intervi na discussão e de forma temerária” (STEIN, 2018, p. 321).

Debate com Husserl

Importante perceber que a nossa Edith tinha, naquela época, 23 anos de idade. Segura de si, já inicia a sua participação debatendo com Husserl e com os outros membros do Círculo, provavelmente argumentando com o que havia entendido das leituras que tinha feito das obras do mestre, encantada com a sua busca pelos próprios fundamentos na objetividade das “coisas mesmas”.

No final deste primeiro semestre, Edith se sente pronta para pedir a Husserl para iniciar o doutorado, mesmo sabendo que ele pede anos de frequência às suas aulas antes de conceder aos seus alunos o trabalho desafiante da tese. Após colocar vários obstáculos, tais como mais tempo de estudo e maturidade intelectual, diante de sua firme determinação, Husserl consente. Edith escolhe aprofundar o tema da empatia, analisando como se dá tal experiência da relação intersubjetiva humana no campo da consciência pura, utilizando o método fenomenológico. Esse tema é importante para Husserl, pois uma análise correta do fenômeno da empatia invalida as críticas de idealismo feitas a ele depois da publicação de “Ideias I”. Se a capacidade empática, presente em todo ser humano, é o que permite perceber que se está diante de um outro ser humano semelhante a mim, com essa mesma capacidade e uma mesma estrutura geral – corpo vivente, psique e espírito –, logo: quando percebo algo que o outro também percebe, essa nossa percepção é real, existe para ambos e não apenas em um mundo ideal ou imaginário. Isso invalida a crítica de que a fenomenologia transcendental de Husserl tenha caído em um solipsismo, uma filosofia do Eu, que acabaria conduzindo a um relativismo com relação à verdade das coisas, pois cada um veria do seu modo e todos os modos de ver seriam válidos.

A verdade em Cristo

Edith segue a sua busca pela verdade, vista inicialmente como a realidade das coisas tal como se desvelam a nós, fundamentando-a a partir do ato empático. Nessa sua busca, a verdade vai tomando outras formas, até concretizar-se no rosto do Cristo.

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