Teresa Benedita da Cruz

A vida de Edith Stein após o seu renascimento em Cristo

Logo após a sua conversão, Edith Stein convencida por ter encontrado a verdadeira fé, se lança de corpo e alma na vida litúrgica e eucarística da Igreja. Continua em sua busca pela Verdade: segue utilizando o método fenomenológico de Edmundo Husserl, mas agora conta com o auxílio da Graça, da doutrina da Igreja católica e dos escritos dos padres, doutores e teólogos da Igreja. Edith antecipa, como leiga cristã, um estilo de vida que será defendido, algumas décadas depois, pelo Concílio Vaticano II, ela é mulher de oração e, ao mesmo tempo, ativa no mundo. Edith se identifica com o conselho dado pela Mestra Teresa, de procurar ser “Marta e Maria, em pé de igualdade”¹.

Edith segue desenvolvendo-se em todas as suas dimensões: corpórea, psíquica e espiritual. Nesta etapa madura de sua vida, ela privilegia a dimensão espiritual, especialmente desenvolvida em sua interioridade. A dimensão espiritual é identificada por Edmund Husserl como sendo a que nos diferencia dos animais e outros seres vivos, caracterizando-nos como “pessoas”. Embora não esteja diretamente relacionada com o fenômeno religiosa, a dimensão espiritual dos atos livres torna-se mais facilmente compreendida, quando é comparada com o modo de ser dos seres puramente espirituais, estudados pelos padres, doutores, teólogos e místicos da Igreja. Na escolha pelo cristianismo católico, Edith se beneficia desses autores tão pouco considerados pelos cristãos protestantes.

Quanto à sua relação com Deus, Edith passa a aprofundá-la com muita tenacidade, zelo e discrição. Quando um dia lhe perguntam sobre as razões de sua conversão, ela responde que esse segredo era só dela e, desse modo, queria guardá-lo.

Elisabeth de Miribel, biógrafa de Edith Stein, afirma que já em seu texto Causalidade psíquica, de 1918-1920, ou seja, anterior ao seu batismo, Edith “deixa entrever alguma coisa do caminho percorrido”²:

“Faço planos para o futuro e, de acordo com eles, organizo minha vida presente, mas estou convencida, bem no fundo, de que algo vai acontecer, transformando todos os meus projetos. É esta fé autêntica e viva que ainda me recuso a aceitar e cuja ação procuro impedir” (MIRIBEL, 2001, p. 65).

Edith Stein, vida após seu renascimento em Cristo

Edith Stein e o repouso em Deus

Em sua conversão, Edith deixa-se, enfim, conduzir pela experiência de uma fé autêntica e viva: experimenta, em primeira pessoa, o que havia denominado, em 1918-1920, de um verdadeiro “abandono em Deus”. O estado de abstenção de atividade, visto superficialmente, pode parecer semelhante à crise vivida por ela durante a escritura de sua tese, quando não se sentia mais capaz de avançar em suas pesquisas; mas agora trata-se de uma coisa “completamente nova e irredutível”. Ao escrever sobre a Causalidade psíquica, quando fala dos atos livres, provavelmente Edith já havia lido a descrição do estado de “repouso em Deus” feita por Santa Teresa ou por Santo Agostinho. Havia apreendido empaticamente tais experiências como autênticas para aqueles que a vivenciaram, mas provavelmente ela ainda não havia experimentado em primeira pessoa.

Vejamos a sua descrição fenomenológica do que ela vivenciará em sua conversão, poucos anos depois

“Existe um estado de repouso em Deus, de total abstenção de atividade espiritual, no qual a pessoa não consegue traçar planos, tomar decisões, nem mesmo fazer o que quer que seja, e no qual ela se abandona inteiramente ao seu destino, tendo submetido o futuro à vontade de Deus. Senti-me neste estado depois de uma experiência que, ultrapassando as minhas forças, consumiu inteiramente, minhas energias espirituais e me tirou toda a possibilidade de ação. Parecido com a inatividade por falta de impulso vital, o repouso em Deus é qualquer coisa de completamente nova e irredutível.

Antes era o silêncio da morte. Em seu lugar aparece um sentimento de segurança íntima, de libertação de tudo que é preocupação, obrigação, responsabilidade com relação à ação. E à medida que me abandono a este sentimento, uma nova vida começa, pouco a pouco, a apoderar-se de mim – sem nenhum impulso da minha vontade – a empurrar-me para novas realizações” (MIRIBEL, 2001, p. 65).

Unidade entre fé e razão pela ação da Graça

Muito se fala de Edith Stein como a filósofa fenomenóloga que conseguiu, com seu próprio esforço e trabalho intelectual, conciliar a sua vida intelectual com a novidade que a fé cristã lhe proporcionou. Mas esquece-se de sublinhar que Edith diariamente se dedicava ao esforço maior  que era o combate espiritual entre a grande capacidade de seu intelecto e de sua ação — âmbitos da razão natural —, e a nova vida que se apresentava a ela era uma vida de “abandono em Deus”— onde ela contaria com a Graça. Ela sabia que o cristianismo, especialmente em sua vertente católica, lhe ajudaria a viver ambas as dimensões – ativa e contemplativa – que ela considerava tão importantes para o desenvolvimento de seu próprio ser; mas também sabia que não existiam propostas fáceis, e sim um longo caminho a ser percorrido com tenacidade e confiança em Deus.

Esse estado de espírito que se tornou contínuo na vida de Edith, desde o seu encontro com Deus, na pessoa de Jesus Cristo, é retratado por ela em umas páginas manuscritas, complementares à sua palestra sobre As Bases da formação feminina, dada à comissão de formação das Associação das Mulheres Católicas Alemãs, em Bendorf am Rheim, em 8 de novembro de 1930. Nesse manuscrito, Edith fala de um “estado total da alma” que não pode ser atingido pela própria vontade, mas deve ser realizado pela graça.

Integração de todas as dimensões do ser

“Mal acordamos de manhã e já nos vemos assaltadas por deveres e preocupações do dia (quando não nos afugentaram o sossego da noite). Surge, então, a pergunta inquietante: como abarcar tudo em um único dia? Quando farei isso ou aquilo? Como dar início a esse ou aquele empreendimento? Gostaríamos de sair correndo. Nesse momento devemos tomar as rédeas na mãos para dizer: calma! Nada disso me deve atingir agora. Minha primeira hora da manhã é do Senhor. Enfrentarei as tarefas do dia que Ele me encarregar, e Ele me dará forças para realizá-las.”³

Ao penetrar mais profundamente em sua alma, por meio de seu encontro com Deus, Edith nos mostra uma maior integração de todas as dimensões de seu ser. Ao participar, nas primeira horas do dia, de um ato de entrega e abandono a Deus, especialmente por meio do grande sacrifício da reconciliação de Jesus no altar, Edith deixa-se invadir pela alegria de colocar-se no altar na hora do ofertório, com todos os seus atos e sofrimentos. “E quando o Senhor vem a mim, na hora da comunhão, posso perguntar-lhe: ‘O que deseja de mim, Senhor? (Sta. Teresa). E aquilo que, em diálogo silencioso, se me apresentar como a próxima tarefa, aquilo começarei a fazer”.4

Leia mais:
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Cristianismo e judaísmo

Após o seu batismo e crisma, Edith enfrenta o seu primeiro grande desafio: anunciar à sua mãe, a quem tanto amava e admirava, a sua conversão. Nem lhe ocorreu fazer isso por carta e, com muito esforço e sofrimento, dirigiu-se à Breslávia para dar a notícia que poderia “ser um golpe brutal para o coração da mãe e arriscava interromper uma maravilhosa intimidade, feita de ternura e confiança recíproca, e cavar entre mãe e filha, um abismo de incompreensão” (MIRIBEL, 2001, p. 68).

Ao chegar, Edith ajoelha-se ao lado de sua mãe e lhe comunica que havia se tornado católica. Inesperadamente, sua mãe não lhe critica nem repreende, mas começa a chorar. Ela une suas lágrimas às de sua mãe, constatando que haviam chegado a um ponto de ruptura, onde caminhariam agora em direções aparentemente opostas. Mas, para Edith, tornar-se cristã católica não significava abandonar o judaísmo, bem pelo contrário, pois ela admirava-se e alegrava-se por saber-se parte do “povo eleito”, consciente de que em suas veias corria o sangue do seu Salvador.

Percepção de sua mãe

Sua mãe, aos poucos, vendo-a tão radiante e feliz — como nunca a havia visto, e observando que sua filha não havia mudado o seu comportamento com relação a ela e aos seus parentes e amigos judeus —, foi aceitando a decisão da filha, mesmo sem compreender. Nos meses que Edith passou em sua casa após o seu batismo, cercou a sua mãe de respeito e ternura, acompanhando-a à sinagoga e tomando parte nos jejuns. Também não deixava de assistir à sua missa diária, na Igreja de São Miguel Arcanjo, alimentando-se do pão Eucarístico, resplandecendo uma vida restaurada e renovada em Deus – no Deus de Abraão, Isaac e Jacó –, por meio de seu Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo.

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1. STEIN, Edith. Endliches und ewiges Sein. Edith Stein Gesamtausgabe, vl. 11/12. Freiburg–Basel–Wien: Herder, 2013 [ESGA 11/12]. (Ser finito e ser eterno), Apêndice 2: “O Castelo Interior”. Apud PERETTI, Clélia; PARISE, Maria Cecilia. As moradas da alma na perspectiva fenomenológica de Edith Stein. Revista Reflexão, vol. 45, e205025, 2020. Pontifícia Universidade Católica de Campinas
2. MIRIBEL, Elisabeth de; Edith Stein, 1891-1942: como ouro purificado pelo fogo. Trad. Maria do Carmo Wollny. Aparecida, SP: Ed. Santuário, 2001, p.65.
3. 
STEIN, Edith. A Mulher: sua missão segundo a natureza e a graça. Trad. Alfred J. Keller. Bauru, SP: EDUSC, 1999, p. 152. Apud ROCHA, Magna Celi Mendes da. Edith Stein para educadores: formação integral em tempos de fragmentação. Curitiba: Appris, 2021, p.137.
4. Ibid.