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A primeira infância de Edith Stein

Edith nasce em 12 de outubro de 1891, na cidade prussiana Breslávia (Breslau), atualmente Polônia, no seio de uma família judaica. Naquele ano, o seu nascimento coincidiu com o “Dia do perdão” – o Yom Kippur – a mais importante data da religião judaica. É a grande festa da expiação do povo judeu, onde se recorda o dia em que Deus prometeu a Moisés libertar o seu povo de mais de 2.300 anos de escravidão no Egito. Ele indicou que toda família matasse um cordeiro, marcasse o umbral da porta de suas casas com o sangue, comesse o cordeiro com pães ázimos e ervas amargas, prontos para partir quando ele ferisse de morte os primogênitos da família do Faraó e de todo o povo que os escravizavam (Ex 12, 21-40). Na festa do Yom Kippur, além da recordação, todo povo judeu jejua e pede perdão a Deus pelos próprios pecados.

Quando Edith nasceu, naquele dia tão especial, a sua mãe, Auguste Courant, uma judia muito praticante, viu nesse nascimento algo de profético – e realmente foi – e a cercou com um carinho todo especial. Edith é a menor dos onze filhos que teve o casal Siegfried Stein e Auguste Courant. Quatro dos seus irmãos morrem muito cedo, o que, infelizmente, era muito comum naquela época. Ficaram, então, em sete irmãos: Paul, Else, Arno, Frieda, Rosa, Erna e Edith, a caçula.

Em 10 de julho de 1893 o seu pai fez em uma longa caminhada a pé até uma floresta, por causa de seus negócios. Foi um mês muito quente, e seu pai teve uma insolação e acaba morrendo no caminho. Edith ainda não tinha dois anos de idade. A mãe assume o comércio de madeira que era conduzido pelo seu esposo, ao contrário daquilo que era esperado de uma mulher naquela época. Além disso, a empresa estava com dívidas, talvez por estar num período de entressafra. Foi sugerido que ela vendesse tudo, comprasse uma casa maior para alugar alguns quartos e o que lhe faltasse seria completado pelos irmãos. Auguste recusa tais propostas e assume os negócios do marido. Sua filha mais velha contava com 17 anos de idade. Paul, o filho mais velho, com 21 anos, precisou parar de estudar para ajudar a mãe nos negócios.

A admiração que Edith Stein tinha por sua mãe

Edith Stein relata, em seus escritos autobiográficos1, a admirável capacidade da mãe – filha de comerciantes – a administrar bem os negócios, o que fez com que ela conseguisse pagar todas as dívidas e logo prosperar e dar uma vida boa a seus filhos.

Além disso, ela eras muito atenta às necessidades de sua família de origem, e também praticava muitas obras de caridade com aqueles que passavam necessidade. A senhora Auguste fazia tudo isso sem descuidar da própria família, mantendo-a sempre unida. Um fato que ilustra muito bem essa sua característica é a foto que ela encomendou com todos os filhos, em 1984, um ano após o falecimento de seu esposo.

Ela deixou um lugar vazio ao seu lado e pediu para o fotógrafo fazer uma montagem como uma foto que tinha do marido. Assim, ficou para a posteridade a foto da família de Edith Stein, toda unida.

A primeira infância de Edith Stein

A religião e a união da família

Quanto à prática da religião, para sua mãe era muito importante dar uma base sólida para os filhos, transmitindo a religião judaica, principalmente quando pequenos. Mas quando os mais velhos se afastaram da religião, especialmente na fase da juventude, ela os respeitava, mas os queria junto, pelo menos nas grandes festas que reuniam a família. Ela preferia que eles tivessem uma religião que não fosse apenas uma prática exterior, mas que estivesse fundamentada em uma vida interior.

No mesmo escrito: “Vida de uma família judia”, Edith ressalta outra característica de sua mãe que lhe marcou de sobremaneira: “minha mãe costumava dizer que, para ela, cada filho era um enigma singular” (EA, p. 46). Ela incentivava cada filho, de acordo com suas características e personalidade, a descobrir onde e de que modo ele poderia se desenvolver e realizar a sua própria vocação. É perceptível que a mãe dava muito valor para a singularidade, a nota pessoal própria de cada um de seus filhos.

Por fim, gostava muito de música, literatura, teatro e outras obras da cultura, incentivando os seus filhos a conhecê-las e valorizá-las, especialmente as que estavam relacionadas com a cultura alemã. Apesar de judia, ela “não admitia (…) ser contestada na sua germanidade” (EA, p. 50). Todas essas qualidades de sua mãe, relatadas por Edith, foram importantes elementos para a formação do seu caráter feminino autêntico. Foi nesse clima amoroso que nasceu e se criou a caçula Edith, “última herança que seu pai deixou para a sua mãe” (EA, p. 83). Ela se descreve, nos primeiros anos de sua vida, como uma criança vivaz, sempre em movimento, transbordando de ideias engraçadas, audaciosa e pronta para dar palpite em tudo. Mas tinha uma vontade forte e explodia em crises de raiva quando contrariada. Quando corria o risco de receber um castigo, se deitava imobilizada no chão, de modo que era difícil levantá-la e carregá-la.

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Comportamento, temperamento e personalidade

Quando a irmã mais velha, Else, que estudava para se tornar professora (única profissão aberta às moças), aplicava em Edith, sem sucesso, todas as técnicas pedagógicas que vinha aprendendo no Instituto de Educação, ela acabava trancando-a em um quarto escuro. Edith gritava tão alto e dava murros na porta, de modo que a mãe, cujo local de trabalho era em uma casa do outro lado da rua, ouvia os gritos e vinha libertar a Edith, com vergonha de que ela fosse escutada pelos vizinhos. Apesar de suas crises de raiva, Edith diz que no seu interior havia um mundo que já
agitava a sua alma infantil.

“Todavia, no meu mais profundo, havia um mundo oculto. Tudo aquilo que via e ouvia durante o dia era assimilado e meditado nesse mundo oculto. O fato de ver um homem bêbado podia me perseguir e atormentar durante dias e noites (…) Sobre essas coisas que tanto sofrimento me causavam jamais eu disse palavra alguma a ninguém. Eu não via nenhum sentido em comentá-las. Raramente meus parentes perceberam algo do que eu vivia interiormente. Sem causa aparente alguma, eu ficava febril e, no delírio, falava o que sentia” (EA, p.84).

Edith era extremamente sensível e observadora, aprendeu cedo a se conhecer e a trabalhar o próprio temperamento. Relata que, aos sete anos de idade, já era capaz de perceber a sua vida interior e a entender que poderia controlá-la por meio da vontade, ou seja, a dimensão espiritual livre já começava a despontar naquela pequena menina. Ela tinha uma grande capacidade empática e aprendeu a se conhecer e a se trabalhar desde cedo, principalmente quando começou a perceber que o seu comportamento, seu temperamento e suas crises coléricas causavam danos às pessoas mais próximas, tal como ela mesma descreve:

“A primeira grande transformação que sofri deu-se quando tinha cerca de sete anos. Não saberia identificar uma causa exterior. Não tenho outra forma de explicar senão afirmando que nessa época a razão conseguiu reinar em mim (…). Adquiri um autocontrole tal que, sem contestar, mantinha um humor equilibrado. Como isso aconteceu, não sei explicar. Creio, porém, que fui curada pelo horror, pela vergonha que sentia ao presenciar a raiva dos outros (provavelmente dos irmãos e da mãe) e pelo sentimento vivo da perda de dignidade associada a tal comportamento” (STEIN, 2018, p. 86). (EA, p.84).

Edith nos deixa, assim, esse legado de sua tenra infância e nos dá esperança para podermos lidar com nossas próprias dificuldades e limitações. Que possamos seguir o seu exemplo, exercitando-nos a “habitar em nosso interior”: local onde podemos lidar com nossas insuficiências, limitações e pecados, mas também de onde podem brotar os pensamentos e ações mais bondosos, ponderados e livres.

Referências:

1 Edith Stein. Vida de uma família judia e outros escritos autobiográficos. Trad. Maria do Carmo Wollny e Renato Kirchner. Rev. Juvenal Savian Filho. São Paulo: Paulus, 2018. – Coleção Obras de Edith Stein. Esse texto será referido aqui por: EA (Escritos Autobiográficos).