Parte I

Reflita sobre a dimensão político-religiosa no tempo de Jesus

Vida política e religiosa se fundem na cultura judaica da Palestina Romana

Sem dúvida, a figura de Jesus está dentre as mais especuladas em todo o mundo. Ordinariamente, fala-se muito nos milagres que Ele realizou, nas palavras que pronunciou e nos ensinamentos que deixou. Contudo, se for desconsiderado contextos mais específicos, como os acadêmicos, pouco interesse é dado para os aspectos políticos, religiosos e culturais da Palestina, no tempo de Jesus.

Mas, não se engane, pois é muito importante conhecê-los! Explorar esses aspectos, pelo menos um pouco, nos permite entender melhor a vida de Jesus como um todo, suas decisões, o que Ele sofreu, a visão de mundo que Ele e seus conterrâneos tinham, e muito mais.

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Foto Ilustrativa: Arquivo CN/cancaonova.com

Os aspectos religiosos

Em primeiro lugar, é necessário mencionar a grande dificuldade em apresentar, isoladamente, as instituições de Israel. Afinal, toda a existência judaica, seja nos seus aspectos econômicos, sociais e políticos, é marcada pela religião. Portanto, ao se falar de vida religiosa em Israel, não se pode perder de vista que toda a vida desse povo é a expressão religiosa, no pleno sentido da palavra.

O cardeal Joseph Ratzinger, na sua clássica obra “Jesus de Nazaré”, nos dá uma visão muito interessante a esse respeito. Ele afirma que, na Palestina, no tempo de Jesus, não “existia o político ‘sozinho’, nem o religioso ‘sozinho’. O templo, a Cidade Santa e a Terra Santa com o seu povo não eram realidades somente políticas, mas também, não eram realidades apenas religiosas”.

Assim, em se tratando desses três aspectos – templo, povo e terra – estavam em jogo, acima de tudo, o fundamento religioso e as consequências religiosas da política. Portanto, “defender ‘o lugar’ e ‘a nação’ era, em última instância, uma questão religiosa, porque tinha a ver com a casa de Deus e o povo de Deus” (RATZINGER, 2011, p. 157).

Algumas informações sobre o Templo

Sabe-se, por exemplo, que para o povo de Israel, o Templo é o lugar mais sagrado. Sabe-se, também, que era obrigação absoluta para todos os adultos, isto é, a partir dos treze anos, recitar as orações no decurso das horas. Há, nas Sagradas Escrituras, diversas passagens que confirmam esta ideia.

Uma delas, talvez a mais conhecida, apresenta os pais de Jesus como bons fiéis. Eles viviam de acordo com os mandamentos da lei mosaica e eram respeitadores dos ensinamentos e das tradições rabínicas.

No segundo capítulo do Evangelho de São Lucas, José e Maria visitavam, todos os anos, o templo de Jerusalém no período da Festa da Páscoa. Em uma dessas idas, quando Jesus tinha doze anos, aconteceu aquele contratempo em que José e Maria se perderam de Jesus e tiveram de retornar ao Templo. E, ao chegarem novamente no Templo, os pais de Jesus o encontraram conversando com os doutores da lei (cf. Lc 2, 41-51).

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Os vendilhões do templo

Em outro episódio, também, no período da Páscoa, Jesus subiu até Jerusalém e foi até o Templo. Convém lembrar que, neste episódio, Jesus já era adulto. Chegando ao Templo, Jesus encontros os que vendiam bois, ovelhas e pombas, além dos cambistas em suas bancas. Jesus, então, confeccionou um chicote com cordas e acabou com feira livre que havia se formado dentro do Templo.

Logo à frente, nos versículos seguintes, a Palavra apresenta o motivo que levou Jesus a agir dessa forma tão incisiva: o zelo pela casa de Deus. Ora, só se zela por aquilo que é muito importante. Nota-se, portanto, a grande importância que o Templo tinha para Jesus. Certamente, esse zelo e cuidado com as coisas de Deus, Jesus aprendeu pelo testemunho de seus amados pais.

Convém salientar que, o Templo em que Jesus frequentava para rezar, não era aquele que Salomão havia construído, nem mesmo o segundo templo reconstruído após o regresso do exílio, mas outro Templo bem mais recente. Por sinal, era tão recente que ainda estava em construção.

As festas, as cerimônias e os grupos religiosos da época de Jesus

As festas, cerimônias do culto e as reuniões na sinagoga não se tratavam de uma espécie de “complemento” na vida cotidiana daquele povo, mas, faziam corpo com ela, tamanha a sua importância. A vivência dessas celebrações procede do mesmo espírito que regula todos os acontecimentos da vida, seguindo a tão conhecida tríade “crer, celebrar e viver”.

De modo geral, o judaísmo admitia certas divergências consideráveis entre seus membros, contanto que mantivessem algumas verdades essenciais e aceitassem certas práticas. Dessa forma, motivados por acontecimentos históricos, vários grupos político-religiosos, com diferentes maneiras de pensar, foram surgindo dentro dessa religião. Pode-se citar, por exemplo, Os Saduceus, os Zelotas, os Fariseus, os Essênios, os Herodianos, os Samaritanos e outros.

A Cruz geradora da crise entre o político e o religioso

Como se percebe, a dimensão política e a religiosa eram absolutamente inseparáveis entre si. Salientar essa realidade é fundamental, tendo em vista o julgamento, a condenação e a morte de Jesus que estaria por vir.

Não é por acaso que, na decisão que levou Jesus à morte, verifica-se a sobreposição de dois níveis: por um lado, a legítima preocupação de tutelar o templo e o povo (o religioso) e, por outro, a ambição egoísta de poder por parte do grupo dominante (o político).

Assim, com anúncio e com o agir de Jesus, inaugurou-se um reino não político do Messias. Isso fez com que, essas duas dimensões, até então inseparáveis (político e religiosa), começassem a separar uma da outra. Segundo o cardeal Ratzinger, essa separação só foi possível, em definitivo, por meio da Cruz, ou seja, só por meio da fé n’Aquele que está desprovido de todo o poder terreno. Surge, portanto, o novo modo como Deus reina no mundo.

No próximo artigo, veremos o episódio em que Jesus se autoproclamou Rei e as consequências disso. Apresentaremos, também, uma leitura teológica feita pelo cardeal Ratzinger acerca desse episódio.

REFERÊNCIAS

RATZINGER, Joseph. Jesus de Nazaré: Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. Tradução Bruno Bastos Lins. São Paulo: Planeta, 2011. p. 157-158.

ROPS, Daniel. A vida quotidiana na Palestina no tempo de Jesus. Tradução Pe. José da Costa Saraiva. Lisboa: Livros do Brasil, [195-?]. p. 378, 399.

SAULNIER, Christiane; ROLLAND, Bernard. A Palestina no Tempo de Jesus. Tradução Pe. Jose Raimundo Vidigal. 5. ed. São Paulo: Paulus, 1983. p. 37, 74.