Reflexão

Ao removermos nossos escombros, damos passos para a cura

Ainda há vida por debaixo dos escombros?

“É preciso que não desanimemos de maneira nenhuma; antes, empreendais com calma, cuidado e com uma coragem cheia de paciência, a tarefa de curar a vossa alma das feridas que tenha recebido na batalha” (São Francisco de Sales).

Algo que hoje, infelizmente, tem impedido muitas pessoas de fazerem a experiência com o amor e a misericórdia de Deus para com si mesmo é a dificuldade de lidar com o que podemos chamar de escombros existenciais.

Ao removermos nossos escombros, damos passos para a curaFoto: Daniel Mafra/cancaonova.com

Conforme a Sagrada Escritura, podemos tomar como referência o povo hebreu na história da salvação, que, com o tempo, se cansaram de Deus, esqueceram-se da Mão Forte que os tirou da escravidão, porque caíram nas malhas da sedução e da corrupção do pecado. Contaminaram-se, prostituíram-se, curvaram-se diante dos deuses pagãos e romperam a aliança com Deus.

“Não esqueceis a Aliança que firmei convosco, nem venereis deuses estrangeiros, mas venerai o Senhor, vosso Deus, e ele vos salvará da mão dos vossos inimigos. Eles, porém, não deram ouvidos, e continuaram conforme seu antigo costume” (2Rs 17,38-40).

Como consequência das más escolhas, Jerusalém, a amada e eleita, acabou por terra, incendiada. O Templo Sagrado, morada de Deus, foi invadido, profanado, roubado e destruído. O lugar que o Senhor quis habitar, estar no meio do Seu povo, era somente escombros. Como um pai ou uma mãe, que, mesmo com o coração partido, precisa disciplinar o filho por meio de uma correção ou castigo, Deus agiu energicamente com Seu povo. Era preciso que este passasse por um castigo, resultado de suas próprias escolhas. Aqui é importante ressaltarmos as escolhas.

A liberdade de escolha

Recordo-me do filósofo dinamarquês Sören Kierkegaard (1813-1855) quando apresenta a angústia existencial humana proveniente das escolhas. O homem, que se volta para a satisfação dos seus desejos, que mergulha em uma vida desregrada e permite-se envolver pelas paixões, no primeiro momento, não tem plena consciência da complexidade na qual está se envolvendo, pois está imerso na saciedade de seus desejos.

Kierkegaard aprofunda nessas questões em seus escritos e aponta o resultado do homem que não põe limites na busca pela saciedade de suas paixões e desejos; e acaba tomado por uma escuridão e um vazio por não encontrar a saciedade que procura; e, então, depara-se com a angústia.

Segundo o filósofo, o vazio existencial que o homem experimenta é uma consequência de sua própria liberdade de escolha, que, ao se deparar com a superficialidade de sua realização, encontra-se confinado ao desespero. Kierkegaard aponta a saída para essa realidade como um salto, um impulso que se deve dar para sair desse poço escuro. Mais uma vez, as escolhas e a oportunidade de uma revisão, de um reconhecimento dos erros. Nesse sentido, partindo da filosofia de Kierkegaard, podemos comparar com as exortações de Deus para com o povo, que se afastasse da vida de corrupção e iniquidade. No entanto, pela liberdade, o homem pode querer ou não olhar para dentro de si e voltar para Deus. Kierkegaard acena para essa necessidade: o salto de um reconhecimento dos erros e um salto para Deus.

Remover os escombros: o passo para a cura

Nesse árduo caminho da vida, deparamo-nos com nossos escombros existenciais, com as pedras – e estas não são poucas! São elas as nossas fraquezas e maldades, nossos limites e a incapacidade que tocamos em nossa impotência. Não somos tão fortes assim; precisamos de coragem para encarar nossa verdade. E se não estivermos bem firmes na Rocha, que é Deus, acabamos em escombros e desmoronamos.

Impressionante o que acontece com aqueles que estão imersos nas trevas! Uma pessoa em penumbra não é capaz de enxergar nenhuma possibilidade, apenas de entrega ao desespero, como Kierkegaard nos apresentou. É uma pessoa confinada apenas à derrota, não vendo saída para mais nada. Apenas como que soterrada pelos escombros de sua vida, que desabou sem possibilidade de sobrevivência.

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É nessa armadilha que o demônio tem investido e na qual tantos têm caído e morrido. Muitos já se deram por vencidos, não têm expectativas. Quantas pessoas viveram uma experiência com Deus, mas, hoje, por tomarem de volta a vida velha, acabaram por se encontrar com suas próprias fraquezas! Já não se veem mais dignas de voltar para Deus; fecham-se, então, à Luz, que é o próprio Cristo, e trancam-se no quarto escuro do peso e da falta de perdão a si próprio.

Lançando o olhar para essa imagem dos escombros, vem-me à mente aqueles acontecimentos de prédios, construções que sofreram desabamentos, que vieram abaixo por explosões ou acidentes. A equipe de resgate está realizando seu trabalho no lugar dos escombros. Que triste quando conseguem encontrar os corpos já sem vida! Quando, no entanto, vemos aquelas imagens do resgate de pessoas vivas, que estavam horas debaixo daqueles escombros, contemplamos um milagre. São crianças sendo resgatadas, que resistiram e saíram com vida. Meu Deus, que alegria!

Assim acontece conosco quando estamos debaixo dos escombros de nossa vida. Não é o ponto final. Podemos escolher entre permanecer soterrados ou gritar por socorro. Podemos nos render ou buscar dentro de nós a força para suplicar ajuda em sair das pedras. Precisamos ter a coragem de remexer os escombros e não nos contentarmos com a realidade na qual nos encontramos.

Em momentos de nossa vida, somente podemos nos enxergar como um poço de lepras, indignos de Deus. Mas Ele, em sua infinita Misericórdia e Amor, estende Sua Mão como os bombeiros em resgate e vem nos dizer: “Coragem! Ainda há vida por debaixo dos escombros!”.

Deus abençoe você!

Leonardo Ribeiro do Nascimento

Candidato às Ordens Sacras na Comunidade Canção Nova. Licenciado em Filosofia pela Faculdade Canção Nova, Cachoeira Paulista (SP). Bacharelando em Teologia pela Faculdade Dehoniana, Taubaté (SP). Atua no Departamento Rádio Canção Nova no setor de conteúdo, locutor do programa ‘Encontro com a Misericórdia’ e ‘Terço em Família’, no Santuário Pai das Misericórdias e Confessionários.