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A Igreja e a opinião pública

Quando era adolescente, com questionamentos infindáveis, perguntei para uma professora: “Por que as igrejas têm torres altas?”. Ela, acredito eu, com seus conhecimentos espontâneos, respondeu: “As igrejas possuem torres para demonstrar que o sagrado (Deus) cuida do profano (mundo)”. Em seguida, mostrou uma foto de igreja com torre bem alta, tendo em volta um número expressivo de casas. Essa realidade sempre esteve em meus expedientes racionais. Nessa explicação, podemos entender como a Igreja é uma formadora de opinião: a torre produz visibilidade, paradigmas, comentários, opiniões que influenciam a vida das pessoas.

A igreja pela sua visibilidade (antiga, moderna e contemporânea), uniformidade sociorreligiosa, costumes, mentalidades comuns, estética urbanística contribui para a formação da opinião pública. Papa Pio XII descreveu a opinião pública como eco natural dos acontecimentos e situações atuais, repercutido mais ou menos espontaneamente no espírito e na razão do homem. A liberdade garante a cada um a expressão das próprias ideias e sentimentos, é algo de essencial para a formação adequada da opinião pública (cf. Communio et Progressio, 23 de maio de 1971)

A Igreja e a opinião pública

Foto ilustrativa: Daniel Mafra/cancaonova.com

Construindo a opinião pública

Lecionando Teoria do Conhecimento, comentei com os alunos sobre Walter Lippman (escritor, jornalista, comentarista político) que ensinava a diferença entre o mundo como é e como está desenhado em nossas mentes, a representação da realidade e a realidade em si: duas situações diferentes. O ser humano atua sobre o mundo a partir da representação desenhada em sua mente. Assim, a opinião pública é produto da construção da imagem desse mundo e como as pessoas atuam sobre isso. Hoje, muitas ideias e reflexões chegam até nós por meio de pessoas que identificam os seus pensamentos com nossos expedientes racionais, fazendo-nos pensar igualmente, construindo a opinião pública.

A partir daí, podemos entender que não é mais a Igreja que mantém a representatividade das torres para influenciar as pessoas. Os edifícios, prédios e outras inúmeras torres estão escondendo as torres das igrejas, e os responsáveis não se preocupam em construir igrejas com torres. As fontes tradicionais de autoridade estão perdendo seu espaço na opinião pública. Esse valor da sociedade em relação a qualquer tema ou assunto está ganhando poder, autoridade e força. Basta olhar para a realidade e perceber como pessoas (civis, militares, religiosas), empresas, governos, partidos, Igrejas, instituições estão sendo valorizadas, respeitadas e, paradoxalmente, destruídas pela opinião pública. A confiança para a sobrevivência e para o relacionamento entre as pessoas, na atualidade, depende, muitas vezes, da opinião pública que está sendo sabotada por interesses midiáticos, ideológicos, religiosos, políticos e comerciais.

Neste mundo urbano, com inúmeras torres (prédios, edifícios), as das igrejas são poucas enquanto são inúmeras as fontes da opinião pública. Elas podem vir do jornalismo, das redes sociais, das ações de lobistas, das relações corporativas legítimas e ilegítimas, do sacerdote no altar, do fracasso das instituições, do conflito e ideologias da Igreja, das instituições que perderam suas forças e estão enfraquecidas, do mundo digital, das reportagens bombásticas sobre governos, autoridades eclesiais, famílias, autoridades civis e militares. Eis o grande desafio da Igreja em exercer o seu papel evangelizador no mundo urbano pela opinião pública.

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Imaginário coletivo

Os discursos que circulam na esfera pública influenciam e são influenciados inúmeras vezes pela mídia. A opinião pública está sendo manipulada pelas ferramentas digitais através das plataformas de engajamentos e compartilhamentos. Nesse sentido, acabam influenciando a formação do imaginário coletivo.

No entanto, a missão da Igreja, nesse embate, é realizar a metáfora de minha professora sobre as torres: manifestar ao mundo que Deus cuida do criado sem nenhuma dicotomia. Enviou seu Filho para que todos e todas tivessem vida, e vida plena (cf. Jo 10,10), e para que os valores de seu reino fossem verdade entre nós: a justiça, a paz, a liberdade, a partilha… À Igreja, continuadora da presença e missão de Jesus, cabe a formação da consciência humana, eclesial e social num trabalho contínuo. Temos muito embates históricos da Igreja no Brasil contra desquite, a lei do divórcio, contra o comunismo, contra o governo da direita, do centro ou da esquerda, a favor dos direitos civis embaralhados com os humanos. Atuar eclesialmente, no universo da comunicação, para ajudar as pessoas, de modo particular, a saber discernir o uso que se faz desse ente, chamado opinião pública, é o desafio que se impõe no momento a todos(as) seguidores(as) de Jesus.

Que o Espírito nos ilumine e nos dê a coragem profética para não deixarmos calar a voz do Evangelho, a Boa-Nova da salvação e da libertação, num mundo sedento e necessitado de sentido, de humanização, de generosidade, de harmonia e de solidariedade.

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Dom Edson Oriolo

O bispo da Diocese de Leopoldina (MG), Dom Edson Oriolo,  é referencial da Comissão  Vida e Família do Regional Leste 2 da CNBB. É formado em filosofia pelo Seminário Nossa Senhora Auxiliadora de Pouso Alegre e em teologia pelo Instituto Teológico Sagrado Coração de Jesus, de Taubaté (SP). Também tem mestrado em Filosofia Social pela PUC Campinas; é especialista em Aristóteles, pela Unicamp; em Marketing pela Universidade Gama Filho, onde também fez pós-graduação em Gestão de Pessoas. Trabalhou no Seminário da Arquidiocese de Pouso Alegre, em que foi professor de várias disciplinas do curso de filosofia. Além disso, atuou como Promotor de Justiça do Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese.
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