MOMENTO PRESENTE

Você sabe administrar bem o seu tempo?

O tempo sempre guiou a existência humana, pois somos a única espécie capaz de compreendê-lo e de tê-lo como guia

No entanto, observamos uma progressiva ampliação do papel do relógio em nossas vidas – e isso já vem assim há quase dois séculos. Parece – ouvimos dizer o tempo todo – que os dias atuais passam mais rápido que os de outrora. O tempo, por essa razão, tem se tornado mais precioso, e “perdê-lo” é um luxo do qual não temos mais direito.

A Sagrada Escritura, por seu turno, apresenta uma bela e profunda relação entre o trabalho e o lazer. Deus é revelado, sob um primeiro aspecto, como um trabalhador incansável ao executar a obra da criação. Sob outro, surpreendemo-nos quando o Autor Sagrado descreve Seu descanso ao sétimo dia. Jesus também foi um operário na carpintaria de São José durante a maior parte de Sua vida terrena, e a maioria de Suas parábolas remetem justamente à figuras de trabalhadores (o vinhateiro, o semeador, o construtor etc). Contudo, o primeiro milagre de Nosso Senhor acontece em uma festa e diz respeito não à ressurreição de um morto ou a uma cura, mas à manutenção da alegria garantida pelo vinho – típica do lazer.

Uma das consequências mais peculiares da experiência cristã para a humanidade é que ela, inspirada na Revelação, reconheceu e propagou o valor do trabalho humano. Prova disso é que “São Bento fundou a sua ordem sob o lema ora et labora” (reze e trabalhe), como nos ensina João Camillo de Oliveira Torres (Lazer e Cultura), e os monges ajudaram a construir o que hoje chamamos Europa com o trabalho de suas mãos. Essa mesma experiência cristã também contribuiu para a maior disseminação do lazer que a humanidade já experimentou, sendo, inclusive, injustamente acusada, por liberais e protestantes, de favorecer irresponsavelmente as oportunidades de descanso.

A Igreja, portanto, foi a instituição que mais cooperou para reconhecer tanto a dignidade do trabalho (devemos lembrar que para as sociedades pré-cristãs os trabalhos manuais eram considerados indignos) quanto a importância dos momentos dedicados às coisas que não são úteis materialmente. Prova disso é que, durante séculos, as oportunidades de lazer do mundo ocidental coincidiram com as festas litúrgicas que, por seu turno, sempre estiveram ligadas a festejos populares, ao mesmo tempo decentes e alegres. O século XIX, entretanto, viu surgir uma filosofia e uma prática segundo as quais o tempo deveria ser integralmente dedicado às coisas úteis, um modo de viver do qual somos vítimas.

Sob essa perspectiva, elaborou-se uma crítica feroz em relação a toda forma de lazer e de cultura, pois elas representariam a “perda do tempo”, uma vez que a contemplação de uma obra de arte não retribui vantagem material alguma ao espectador. Para essa visão, isso representaria uma gratuidade irracional (gasto meu tempo e não tenho retribuição), o que também seria aplicado à religião, pois não é admissível que alguém faça algo apenas por amor a Deus e aos irmãos, sem que, com isso, aufira alguma vantagem.

A experiência cristã católica, por seu turno, sempre reconheceu o valor da gratuidade do lazer (da dedicação às atividades que não oferecem retribuição material) e sempre a associou ao culto a Deus, o que pode ser resumido no “Dia do Senhor”, um dia para o culto a Deus e para o lazer (no domingo, a Missa pela manhã e o almoço familiar festivo na sequência é uma boa imagem). Por conta disso, a Igreja foi a maior propulsora da disseminação da arte na história humana, contribuindo para o progresso da arquitetura, das artes plásticas e da música, pois, quando nos dedicamos às coisas gratuitas (inerentes ao lazer), abrimos um espaço privilegiado para a gratuidade que é própria do amor de Deus.

 Evandro Gussi