Sigamos o exemplo de Cristo

Não sejamos sarças ardentes

Uma das cenas mais emblemáticas do Antigo Testamento é Moisés aproximando-se da sarça que queima, mas não se consome. A cena assombra o patriarca, que custa a entender que as leis da natureza não se aplicam a Deus. A morte, que é tantas vezes o terror do gênero humano, não alcança o Todo Poderoso, o tempo não age sobre Ele. Mais do que isso, a sarça ardente grita: “Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre”, nas palavras de São Paulo. Deus não muda, não evolui, não melhora, porque Ele é a Perfeição desde toda a eternidade. Hoje enviei uma mensagem a uma pessoa por quem tenho grande estima, apesar de não sermos tão próximos. Perguntei como ele estava e como resposta ele enviou um vídeo de um ano atrás no qual ele tenta expressar suas angústias, seus pensamentos obsessivos sobre suicídio, sua dor cotidiana.

Esse vídeo é a melhor resposta à pergunta ‘como você está’, ele me disse.

Enquanto eu via o vídeo do meu amigo, veio à minha lembrança a frase tão conhecida de Santo Agostinho, mas com o nome dele no lugar de Deus: “Fulano sempre o mesmo”. Logo, contudo, apliquei a frase a mim mesmo, em forma de interrogação: Leonardo sempre o mesmo? Que tristeza para mim se as pessoas me encontrarem depois de anos buscando servir a Deus e chegarem à conclusão de que eu não mudo, trago comigo os mesmos defeitos de um, dez, vinte anos atrás! Não deve ser assim! Aquilo me deixou intrigado. Como um vídeo de mais de um ano atrás pode ser o testamento do estado mental de um indivíduo tão inteligente e capaz? Como alguém pode habituar-se ao seu estado de tristeza e parecer crer que aquilo nunca mudará? Foi então que lembrei da sarça ardente e percebi que aquele meu amigo não era tão diferente de mim, afinal. Se Moisés ficou impressionado com aquela manifestação da grandeza do Deus de Israel, muito mais deveríamos ficar com nós mesmos quando agimos como se fôssemos sarças ardentes. Ano após ano participando da vida da Igreja, nas missas, rezando ao acordar e ao dormir, meditando rosários, vivendo os sacramentos e ainda assim não nos deixamos consumir pelo fogo purificador de Deus. Continuamos com os mesmos velhos hábitos, guiados pelas mesmas paixões, escravizados pelos mesmos pecados, dominados pelo homem velho, que nunca deixa vir à tona o homem novo, à imagem de Cristo.

Foto Ilustrativa: Bruno Marques/cancaonova.com

Sejamos como Cristo e sigamos o seu exemplo

Um verdadeiro católico, por definição, almeja a santidade de vida, que nada mais é que amar a Deus acima de qualquer coisa, fazer da própria vida uma perene declaração de amor ao Criador. Buscar esse amor apaixonado por Cristo é (ou deve ser) a missão principal na vida de um católico. Neste sentido, penso que há uma grande contribuição da fé católica à psicologia humana: a insatisfação consigo mesmo. Aquele ditado que diz que ninguém atravessa o mesmo rio duas vezes é a pura e absoluta verdade para um católico que busca a santidade. O Leonardo que saiu ontem de casa para comprar pão e olhou atravessado para aquela pessoa que furou a fila não existe mais, porque a cada instante eu travo uma batalha para vencer o homem velho, que me arrasta para o abismo, e deixar vir à luz o homem novo, à figura de Jesus Cristo. Refletir sobre o erro que cometi, à luz do amor de Cristo, arrepender-me e comprometer-me a adotar uma postura nova põe o homem velho sob grilhões e liberta um Leonardo mais capaz de amar, mais parecido com Cristo.

A única diferença entre um católico que busca a santidade (repare que todo católico deveria buscar a santidade e se escrevo essa tautologia é apenas para enfatizar que não falo dos “católicos de censo” ou dos “católicos de IBGE”) e o Raul Seixas da “metamorfose ambulante” é que nós, católicos, temos um vetor. Passamos por metamorfoses permanentes sim, mas não de maneira aleatória, não para qualquer lado, mas numa direção: o homem perfeito, que é Jesus. Esse vetor, essa direção provocam em mim uma constante revisão de vida: eu não me conformo com minhas mazelas, não me acostumo com minha vileza, não admito ser sempre o mesmo! A minha vida sacramental, minhas orações, minhas devoções são o fogo que deve consumir o homem velho, mas se eu não permito que isso aconteça, torno-me uma sarça ardente maldita, uma comida encruada, que por mais que cozinhe jamais fica boa para consumo. E é exatamente esse o termo: eu preciso deixar-me consumir pelas chamas do amor de Deus.

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Sejamos a luz de Cristo

Quantas vezes agimos como os gregos do tempo de São Paulo, que passavam a vida a adorar deuses falsos, mas no mais íntimo do ser já sabiam que não é neles que está a plenitude, e sim no ‘deus desconhecido’ para o qual erigiram um altar. Construir o altar, contudo, não é suficiente. Nosso Deus é um Deus ciumento, e foi justamente por isso que Santa Teresinha do Menino Jesus disse que escolhia tudo. Só abandonando o culto dos deuses falsos (nossos medos, paixões, apegos, vícios), poderemos fazer a experiência pessoal com Deus, que deixa de ser um desconhecido e passa a ser o grande amor da nossa vida. É aí que tomamos consciência de que precisamos tirar as sandálias dos nossos pés, porque aquele terreno é sagrado. Deixar-se tocar por Deus faz nossa alma arder e desejar ser inteiramente consumida pelo Seu amor, que encontra sua expressão mais sublime no sacrifício cruento do Redentor. Assim, ao invés de sarça que arde, mas não se consome, queremos ser como a vela consumida no altar.

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