Alma ferida

Arsenal de infantilidades

Insistimos em trazer em nós um arsenal de sentimentos infantis, egoístas, só pensamos em nós e em nossas necessidades

“Explico-me: enquanto o herdeiro é menor, em nada difere do escravo, ainda que seja senhor de tudo, mas está sob tutores e administradores, até o tempo determinado por seu pai. Assim também nós, quando menores, estávamos escravizados pelos rudimentos do mundo. Mas quando veio a plenitude dos tempos, Deus enviou Seu Filho, que nasceu de uma Mulher e submetido a uma lei, a fim de remir os que estavam sob a lei, para que recebessem sua adoção. A prova de que sois filhos é que Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai! Portanto, já não és escravo, mas filho. E, se és filho, então também herdeiro por Deus” (Gálatas 4, 1-7).

Essa palavra é muito concreta e humana. Inicialmente, podemos achar um absurdo assemelhar uma criança ao escravo, mas é  simples, porque uma criança não é capaz de fazer a separação das coisas. A criança é egoísta, e o egoísta é aquele que se ocupa do seu mundo, e para ele o outro é uma extensão da sua necessidade. As crianças são escravas de suas necessidades.

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A maturidade de uma criança acontece à medida que ela vai crescendo. Uma criança é escrava, porque ela não sabe a razão da regra, mas se submete a ela. Quando ela cresce e obedece à regra, porque a compreende, ela deixa de ser escrava. Quantos jogos construtivos, que educam a criança para compreensão de regra, são jogos simples de encaixe, e não video-games, nos quais, muitas vezes, a regra é matar.

O desconhecido nos escraviza. Tudo aquilo que desconhecemos se torna soberano sobre nós, e, muitas vezes, tememos uma pessoa desconhecida, e aí está a infantilidade. Nós também trazemos as infantilidades nos nossos afetos, insistimos em trazer em nós um arsenal de sentimentos infantis, egoístas, só pensamos em nós e em nossas necessidades. A birra é o excesso da criança, excesso da infantilidade, pois nela a criança se sente fracassada por não conseguir seu objetivo. Quando somos afetivamente infantis, transformamo-nos em verdadeiros monstros. Se não disciplinamos uma criança, o destino dela não será diferente. Ensinemos a criança a lidar com as impossibilidades.

Quantos adultos não têm coragem de dar opinião, não se manifestam, porque são infantis, escravos de seus medos! Isso é a mesma coisa que birra, pois não sabem lidar com os limites.

Abandonemos as nossas birras, que se manifestam na nossa cara feia, nas nossas respostas ríspidas. Só não nos jogamos no chão, porque não temos coragem.

Permita que Deus resgate a sua alma ferida

Quantos adultos com medo de quarto escuro! Eu pergunto: qual o mal de um quarto escuro? Mas quantas vezes fomos trancados nos quartos e disseram que lá dentro tinha um monstro? Uma criança não tem inteligência suficiente para saber que ali não há um bicho, porque a referência que ela tem é o adulto.

Como podemos curar o medo de um quarto escuro? Trazendo à razão o que nos faz sentir medo. Entremos no quarto escuro e digamos: “Este quarto não pode me fazer mal“. Hoje, somos adultos, maduros, então, olhemos para as fases da nossa vida que precisam ser curadas, olhemos para nós ainda crianças, adolescentes. Permitamos que Deus resgate nossa alma ferida. Muitas vezes, precisamos voltar no tempo e nos reconciliar com nós mesmos.

Nenhum perdão será concreto se, antes, não nos perdoarmos; nenhum olhar será profundo se não nos olharmos.

O que pode nos destruir na vida não é o que os outros fazem para nós, mas o que permitimos que outros façam de nós. O maior consolo que precisamos não é o dos outros, mas de nós mesmos. Não adianta o outro nos deixar livres, se você se sentir escravo.

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Deus é especialista em curar corações machucados. Paremos de lamentar o que não tivemos. Sejamos como o rio, que, quando alguém coloca alguma barreira nele, não deixa de crescer, mas fica mais profundo.

Deus ainda prefere os miseráveis. Deus olha para você e, no momento da sua birra, Ele se encontra com você.


Padre Fábio de Melo

Padre Fábio de Melo, sacerdote da Diocese de Taubaté, mestre em teologia, cantor, compositor, escritor e apresentador do programa “Direção Espiritual” na TV Canção Nova. Autor de livros publicados pela Editora Canção Nova.