Fé e confiança

A consequência de uma vida sem sentido: o suicídio espiritual

O ser humano, em sua integralidade, é composto por três aspectos fundamentais: físico, psicológico e espiritual. Segundo a Logoterapia de Viktor Frankl (tema que se tornou uma paixão e objeto atual de meus estudos), o aspecto espiritual está inerente para qualquer pessoa.

A dimensão espiritual, portanto, é um dado existencial do ser humano. Tal dimensão não significa professar simplesmente determinada religião ou doutrina, e sim o que seria o cerne de qualquer prática religiosa, conjunto de crenças ou questionamento existencial: o apelo ao transcendente inerente a toda pessoa, aquilo que seria maior do que ela própria e seus sofrimentos. Um apelo, a partir do qual, tira forças do âmago do seu ser, mesmo em face às piores desventuras.

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Foto Ilustrativa: Wesley Almeida/cancaonova.com

Suicídio espiritual

É por meio do espírito que o homem é capaz de dar um sentido à sua vida; responder com liberdade e responsabilidade aos acontecimentos, sejam eles bons ou ruins; e de sair de si mesmo em direção aos outros. Cada pessoa não vive para si própria e mais será ela mesma e condizente com sua dimensão espiritual ao tocar em sua característica constitutiva da “autotranscendência da existência”, ou seja, no “fato de que o ser humano aponta sempre, e está dirigido, a algo ou a alguma coisa para além de si mesmo – seja isso um sentido a preencher ou outro ser humano a encontrar. Quanto mais uma pessoa se esquece de si própria – entregando-se a uma causa ou ao amor de outra pessoa – mais humana se torna e mais se efetiva ou atualiza” (Viktor Frankl, “Em busca de sentido”).

Viktor Frankl foi um psiquiatra, judeu e sobrevivente de campo de concentração. Concebia a Logoterapia antes mesmo do tempo de prisão, mas esta foi uma grande escola. Em seu célebre livro, “Em busca de sentido”, relata pormenores do cotidiano sofrido nos campos de concentração. Nem todos passarão pelos mesmos sofrimentos e desafios daqueles homens, mas a obra é uma grande lição sobre a capacidade do homem de fazer suas escolhas internas independentemente das circunstâncias externas.

E por que estamos falando também acerca de “suicídio espiritual?

Porque ter uma vida sem sentido no que se realiza e no que se é um passo para o suicídio espiritual. Além disso, levar uma “existência determinista” – ou seja, que tem o passado como muleta e justificativas para o que se é e faz – é não agir segundo a sua essência de liberdade e responsabilidade. Consequentemente, a pessoa não vive a característica própria da autotranscendência, como referida acima, e não consegue sair de si mesma em direção aos outros.

Uma das maiores dificuldades do homem para exercer a sua liberdade e busca de sentido é diante dele próprio e não frente a outros ou situações da vida. Parece, assim, que ao não ultrapassar suas próprias barreiras interiores, o homem persiste em não tocar em sua humanidade. Quando não pratica sua liberdade, aproxima-se da condição de outros animais, que agem instintivamente e não apresentam a condição espiritual. Isto, portanto, também seria não viver o Evangelho, mas sim ceder aos egoísmos da carne e ter somente o objetivo de autorrealização.

Afastar-se do Evangelho: caminho para o suicídio espiritual

A vida de Cristo é, por excelência, uma vida cheia de sentido e de doação de si mesmo. Mesmo sendo homem, esvaziou de si mesmo e escolheu, na sua liberdade e responsabilidade se entregar por amor: “Ele, existindo em forma divina, não considerou como presa a agarrar o ser igual a Deus, mas despojou-se, assumindo a forma de escravo e tornando-se semelhante ao ser humano. E encontrado em aspecto humano, humilhou-se, fazendo-se obediente até à morte — e morte de cruz! Por isso, Deus o exaltou acima de tudo e lhe deu o Nome que está acima de todo nome” (Fl 2,6-9).

A Sua agonia, no Horto das Oliveiras, foi um dos Seus grandes momentos de dar sentido ao sofrimento, de entrega, de liberdade e de ter sua vida direcionada não a Si próprio, porém a todos aqueles que lhes foram confiados pelo Pai: “Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice; contudo, não seja feita a minha vontade, mas a tua!” (Lc 22,42).

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Vamos retomar em tópicos o que leva a um “suicídio espiritual”:

– Uma vida sem sentido, inclusive não dando um ao sofrimento;

– Uma “existência determinista”, em que se culpa o passado, as situações e outras pessoas pelo que é/têm etc.;
não agir com liberdade e responsabilidade diante dos fatos e acontecimentos;

– Centrar-se apenas em si mesmo e não nas pessoas e na vida ao redor;

– Não seguir o Evangelho e, assim, os passos de Jesus. Em tudo somos como Ele, exceto porque pecamos. Porém, temos o Espírito Santo que nos capacita, renova e faz participar do sacerdócio de Cristo.

Não é fácil imitar o Filho de Deus. Muitos possuem histórias e condições difíceis e, assim, como é desafiador tirar água do interior do poço de nossas vidas! Entretanto, está nas mãos de cada pessoa a possibilidade de enxergar o sofrimento como oportunidade ou como obstáculo de erguer a força interior acima do destino exterior. “Se existe um sentido na vida, então, tem de haver um sentido no sofrimento. O sofrimento é uma parte inextirpável da vida, tal como o destino e a morte. Sem o sofrimento e a morte, a vida humana não está completa” (Viktor Frankl, “Em busca de sentido”).

Confie no amor de Deus

Não há como escapar dos sofrimentos. Porém, sobretudo, não há como escapar do amor de Deus. Isto deve ser a maior certeza da nossa vida, nosso sentido maior e o que deve nos mover:

“Quem nos separará do amor de Cristo? Tribulação, angústia, perseguição, fome, nudez, perigo, espada? Pois está escrito: “Por tua causa somos entregues à morte, o dia todo; fomos tidos como ovelhas destinadas ao matadouro”. Mas, em tudo isso, somos mais que vencedores, graças àquele que nos amou. Tenho certeza de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potências, nem a altura, nem a profundeza, nem outra criatura qualquer será capaz de nos separar do amor de Deus, que está no Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8,35-39).

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