O homem e as virtudes

Deus, infinitamente perfeito e bem-aventurado em si mesmo, num desígnio de pura bondade, criou livremente o homem para o tornar participante da vida bem aventurada. Por isso, sempre e em toda a parte, Ele está próximo do homem. Chama-o e ajuda-o a procurá-Lo, a conhecê-Lo e amá-Lo com todas as forças. No Deuteronômio 6,4 o autor sagrado já apontava esse sagrado dever aos homens: amar a Deus com todas as suas forças. Mas, que forças devem ser essas? O hábito do bem é a primeira delas. Uma disposição que fortaleça a vontade de bem agir. Não apenas consiste em fazer o bem, mas dar o melhor de si!

Platão denominou esse hábito com o nome de virtudes cardinais, por serem as primeiras e a fonte das demais: prudência, fortaleza, temperança e justiça, segundo opinião dele. Porém, essas qualidades nós as podemos encontrar em todos os homens, bons e maus. Há, porém, algumas virtudes propriamente morais que resultam de uma escolha racional, de um esforço de perfeição e propiciam mérito moral. As virtudes chamadas morais são praticadas com a finalidade de orientar o homem ao bem maior, num processo dinâmico e ininterrupto.

O homem, por si mesmo, procura viver valores humanos e assim aperfeiçoar sua conduta. É o que Saint-Éxupéry chama de “linhas de força”, em Citadele: “Construí um homem segundo as tuas divinas linhas de forças, para que ele caminhe”. Essas divinas linhas de força, da qual nos fala, são as virtudes. Mas esse homem não traz somente virtudes humanas, nem somente as chamadas filosóficas, mencionadas antes. Há dons com os quais Deus presenteou o ser humano, os talentos, que concedeu e que são, desdobramento, partilha da sua riqueza. Esses “presentes de Deus” ou dons têm também o nome de virtudes teologais, ou seja, forças divinas, concedidas ao homem, para fortalecê-lo e ordená-lo ao seu senhor. Deus, que o atraiu a si, ajuda-o a procurá-lo.

A primeira virtude divina é a fé. Nos dias incertos em que vivemos, onde a violência e a maldade parecem vencer, esta virtude leva o cristão especialmente ao testemunho de vida, a agir com todas as suas forças para modificar esse estado de coisas. É preciso querer. A fé, portanto, com o obséquio da inteligência, unida à vontade, adere às verdades reveladas e, assim, com ânimo revigorado, se empenha em ser no mundo esse sinal do amor de Deus.

Desponta logo também a segunda virtude a esperança, virtude que coloca o cristão na perspectiva da vida eterna, na felicidade de um dia possuir o Reino dos céus, confiando nas promessas de Cristo e, como nos ensina o Catecismo, não nos apoiando em nossas forças, mas no socorro da graça do Espírito Santo. Diante desse futuro que nos espera, todas as ações humanas se iluminam e se ordenam; desse modo, nada pode nos desanimar nem esmorecer, pois esse impulso da esperança afasta quaisquer sentimentos de egoísmo, vaidade, hipocrisia, falta de caridade, de auto-suficiência e nos conduz à felicidade da caridade. O autor da Carta aos Hebreus a chama a esperança da “âncora da alma” (Hb 6,19), símbolo que se contempla, ainda hoje, nas catacumbas de Roma.

A terceira virtude é o amor. É a força pela qual amamos a Deus e aos irmãos. A caridade é o vínculo da perfeição (Cl 3,14) pois dá forma às virtudes da fé e da esperança. Seus frutos são a alegria, a paz e a misericórdia. Além dessas virtudes, Deus ainda concede aos seus filhos os dons do Espírito Santo. Estes instrumentais eficientes, pelos quais a vivência das virtudes é levada à perfeição. Dons que se ordenam para educar a inteligência e a vontade: sabedoria, inteligência, conselho; fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus. São Paulo, em sua Carta aos Gálatas, enumera doze frutos do Espírito: caridade, alegria, paz, paciência, longanimidade, bondade, benignidade, mansidão, fidelidade, modéstia, continência e castidade (Gl 5,22-23) que completam este grandioso edifício espiritual.

O homem, assim contemplado, reúne em si os mais belos ornamentos recebidos por Deus. Quanto mais reconhece a grandeza de Deus e a beleza da criação, mais se admira de si mesmo, objeto do amor e da predileção de Deus (Salmo 8: ‘O homem … tu o fizeste um pouco menor do que um Deus; de glória e luz o coroaste‘!).

De todas essas virtudes – esses ornamentos – uma se sobressai de modo particular: a graça do martírio. Essa oportunidade de derramar o sangue em testemunho da fé e do amor a Deus. Conseqüência do dom da fortaleza, a Igreja se enriquece e embeleza por tantos mártires. Por isso, em todos os altares, costuma a Igreja depositar uma relíquia de um Mártir e a Santa Missa é celebrada sobre ela. A Igreja inteira, desde sempre, se reúne para celebrar a memória desses heróis da fé. Eles indicam um caminho a seguir: o da fidelidade a Cristo, à sua Igreja, a Deus e aos irmãos. Representam, ainda, a nobilitação suprema do ser humano.

O homem deve ser contemplado nessas grandezas, admirado nos dons particulares com que Deus o distinguiu e ordenou. O fenômeno da violência, a peste das guerras e das provocações políticas, os seqüestros e assassinatos, as perseguições, calúnias, injúrias e tantas outras formas de agressões, levam-nos a considerar que esse homem pode se afastar de Deus e do seu projeto de felicidade.

O homem é desconhecido para si mesmo. Todo o processo vital de seu aperfeiçoamento, na linha do ser e do agir, encantam e desnorteiam, ao mesmo tempo. A nossa experiência humana – como seres destinados ao que é Divino – jamais é enfraquecida pelos dons sobrenaturais, pelas virtudes todas: infusas e adquiridas. O homem em sua natureza e sobrenaturalidade é o maior hino de louvor ao Criador e Redentor! Formam uma harmonia perfeita!