As pequenas e a grande Páscoa

A Páscoa tem a finalidade de relembrar-nos que não vivemos tão bem como deveríamos viver. A Igreja do Brasil escolhe um tema que, no dizer de muitos, é no mínimo “polêmico” e que quer despertar questionamento sobre algo que está adormecido no coração do povo. A Quaresma é a tentativa de acordar-nos de um sono tranqüilo onde é melhor não pensar do que pensar. É só pensar em alguns temas das passadas Campanhas da Fraternidade: drogas, negros, trabalho, ecologia, família, paz… Este ano, “índio”, e, quem sabe um dia não distante, vai tratar do homossexualismo, aborto, racismo, capitalismo… Tudo deve ser visto à luz do Evangelho e, a todos os problemas que surgem, devemos tentar dar uma resposta.

Páscoa é dinamismo, inquietação que nos obriga a parar e olhar para trás, para os momentos de nossas escravidões, para o desejo de libertar-nos dos novos faraós que nos oprimem e tomar o caminho do deserto e da noite. Deserto, noite, não são lugares e tempos para se ficar para sempre, mas passagem que inicia o caminho do deserto. Sabe-se que, não parando de caminhar, vai-se ultrapassando as dunas do deserto e um dia se chegará à terra prometida, que é símbolo da vida plena e sem males. Quem entra na noite tem plena consciência que ela vai terminar e que, permanecendo firme na esperança, vai ver de novo o surgir do sol, símbolo de vida nova.

Precisamos acreditar na Páscoa se não queremos ser esmagados debaixo do peso do desespero. É necessário ser homens e mulheres de coragem que, cansados do sofrimento, tentemos jogar longe de nós o jugo de todo tipo de morte e de opressão. O ser humano provavelmente nunca será totalmente livre. Quando pensa que o é, os libertadores de ontem se tornam os opressores de hoje e por assim vai a vida. De opressão em opressão, de libertação em libertação passamos a nossa história na procura do dom mais precioso: a liberdade. A Páscoa, antes de ser uma festa religiosa que tem suas raízes lá no Egito durante a escravidão do povo de Israel que, cansado de sofrer, busca caminhos novos, é uma festa escondida no subconsciente do ser humano. É uma festa antropológica, cada um busca a sua Páscoa, a sua passagem rumo a uma terra, a uma situação melhor, com um horizonte mais amplo de liberdade e de amor. Há na vida de cada um de nós pequenas e grandes escravidões das quais devemos libertar-nos se queremos prosseguir o caminho. Temos necessidade de “pequenas Páscoas” para podermos viver melhor e com mais esperança.

Na história da vida não há ninguém que seja totalmente livre de suas escravidões e misérias humanas, quer sejam éticas, políticas ou sociais, quer sejam as suas escravidões do desemprego ou da infidelidade, do ódio ou do engano. Todos buscamos nos libertar de algo que nos prende. Há um desejo de liberdade e de vida que não pode ser sufocado por ninguém. Ele, como semente escondida, pode permanecer silencioso por séculos mas um dia explode com a violência vital da primavera. É por isso que a Páscoa hebraica era e é celebrada na primavera. É a vida que acorda depois do inverno, símbolo da morte. A Páscoa é meta, não é início, é desejo, é busca. Há tantas pequenas Páscoas que precisamos celebrar para não nos deixar oprimir por nada e por ninguém. A Páscoa é cântico de liberdade que surge na noite e no deserto, mas é destinado a ser cantado e celebrado juntos, não se pode celebrar a Páscoa sozinho, ela é festa comunitária, de família, de povo unido.

Mas existe a grande Páscoa, a Páscoa definitiva, a vitória que não será mais derrota e é para sempre. Cristo veio entre nós, caminha conosco no deserto e na noite da vida. Passou a tristeza da morte mas retomou a vida e nos ensinou como devemos “ressuscitar todos os dias” para chegarmos à ressurreição final e à vitória definitiva, sem morte e sem tristeza.