As noites de Belém

Belém fica às portas do deserto. Daí em diante, estendem-se as areias que descambam em direção ao Mar Morto à leste, e mais para o sul em direção ao Negeb. De dia faz calor, mas à noite a temperatura desce rapidamente, e chega o frio que arrepia a pele.

Por isto, mesmo que Jesus tenha nascido em tempo de verão, Maria com certeza precisou envolvê-lo, não só com os pobres panos de que dispunha, mas com seu carinho materno para acalentar o Filho de Deus que começava sua existência humana experimentando o frio das noites de Belém.

Ainda lembro com emoção. Partindo de Jerusalém, fomos a pé até Belém, para experimentar o último trecho da caminhada de José e Maria, que foram alistar-se na cidade de Davi. Ao chegar, fomos armar nossa tenda no lugar onde os anjos apareceram aos pastores, segundo antiga tradição. Era pleno verão, em julho de 1964. No silêncio da noite, olhando as estrelas que os magos certamente também viram, aos poucos a temperatura foi caindo, e precisamos nos enrolar nas cobertas. A noite de Belém é sempre fria.

Mas houve uma noite singular, em que Belém se encheu de glória, pois se cumpria a profecia que lhe ditava sua missão: “E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és a menor entre as principais cidades de Judá, porque de ti sairá um príncipe que será o pastor do meu povo, Israel” (Mt 2,6).

As lembranças de Maria

Foi Lucas que registrou em detalhes, no seu Evangelho, os lances bonitos que agora compõem a descrição do nascimento de Jesus numa noite de Belém. Ele teve o cuidado de se informar bem, junto àqueles que “foram testemunhas oculares” (Lc 1.2). Pela maneira como narra os fatos, fica evidente a contribuição de Maria. Deus a tinha constituído protagonista do acontecimento central da história humana. Ela “guardava todas estas coisas, meditando-as em seu coração”. Por isto, pôde transmiti-las a Lucas, que as colocou num “relato ordenado” , que agora nos permite saber como aconteceram as coisas naquela noite de Belém. Maria, que nos deu o Salvador, nos deu também o Evangelho que conta o seu nascimento.

Sinfonia celeste e terrestre

A noite de Belém uniu os céus e a terra. O canto dos anjos veio se unir ao encanto dos pastores, que foram ver o que Deus tinha preparado para ser “alegria para todo o povo”. Com o nascimento humano do Filho Eterno de Deus, inaugurava-se a reconciliação entre o céu e a terra, entre o Criador e a criação. Os céus e a terra se aproximaram. Por isto os anjos entoavam a canção que prolonga através dos séculos a alegria daquela noite de Natal: “glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens destinatários do amor divino” .

É nesta sinfonia entre o divino e o humano que precisamos encontrar o sentido da celebração do Natal, e entender as circunstâncias da tradição cristã que foi acolhendo e enriquecendo ao longo dos séculos esta celebração.

Em primeiro lugar, precisamos entender a data desta celebração.

Não está dito no Evangelho em que época do ano aconteceu. Jesus não teve “certidão de nascimento”, embora Maria e José puderam colocá-lo logo como um dos súditos do imperador César Augusto, que tinha mandado fazer “o recenseamento de toda a terra” (Lc 2.1). Dezembro é tempo de inverno na Palestina. Por isto, é provável que, na verdade, Cristo não tenha nascido em dezembro, pois o bom senso da administração romana não ia estabelecer a época das chuvas e do frio para o povo se deslocar para o recenseamento.

Qual o motivo, então, de marcar o dia 25 de dezembro como o dia do nascimento de Jesus Cristo?

A data foi estabelecida mais tarde, quando a Igreja já tinha se implantado no Império Romano, e tinha assumido a religiosidade do povo, iluminando-a com o Evangelho. Então, foi fácil estender a “sinfonia entre o céu e a terra”, acontecida em Belém, para marcar também uma data oficial para o nascimento de Jesus. No contexto do inverno europeu, no dia 25 de dezembro, segundo antiga tradição dos romanos, celebrava-se a festa do “Sol nascente”, pois a partir desta data o dia começava a recuperar sua luminosidade, com o sol nascendo progressivamente mais cedo, até a plenitude do verão.

Pois bem, foi fácil para os cristãos se lembrarem que o “verdadeiro sol” era o Cristo, o “Sol nascente que veio nos visitar lá do alto como luz resplandecente” (Lc 1, 78). E assim marcaram para o dia 25 de dezembro a festa cristã do nascimento de Jesus, com a vantagem de ficar esquecida para sempre a festa pagã em honra do “deus sol”.

Assim, aquele mesmo “império” que queria saber o número dos seus súbitos, ficou sabendo que o verdadeiro “Senhor” do céu e da terra tinha nascido em seus domínios, em Belém, terra de Judá, que teve o privilégio de acolher o Salvador do mundo inteiro.

O sonho de Francisco

A celebração da festa do Natal recebeu um reforço significativo no tempo de São Francisco de Assis, aí pelo ano 1200 de nossa era. Amante da natureza, ele gostava de ver refletido o mistério de Deus nas belezas da terra.

Encantando com o relato evangélico do nascimento de Jesus, Francisco teve a idéia de reproduzir o cenário da noite de Belém. E inventou o “presépio”. Armou uma choupana, onde colocou a manjedoura, rodeada de animais, pronta para acolher os personagens centrais da narrativa: José, Maria, e o Menino recém nascido. Depois, viriam também os Magos para completar a cena.

Pronto! Nascia a tradição de celebrar a noite de Natal reproduzindo o ambiente da noite de Belém. Só faltava a melodia da “Noite Feliz”, que o austríaco Franz Gruber se encarregaria de compor. Agora, em todos os países de tradição cristã, todos acham mais do normal que Jesus nasceu no dia 25 de dezembro. Mais importante que a data, é o fato que permanece com o peso do seu imenso significado: “A Palavra de Deus se fez carne, e habitou entre nós!”