Artigo reflete sobre pobreza evangélica

Sempre que lemos ou ouvimos sobre pobreza na Bíblia, não conseguimos Ter muita clareza de que pobreza é a bem aventurada, se é a espiritual ou material. No artigo desta semana do Pe. Johan Kollings divulgado pelo site da arquidiocese de Belo Horizonte nos ajudará a compreender o verdadeiro sentido quando o Senhor quando fala sobre as bem-aventuranças.

“Diante da insistente pregação de Jesus e da Igreja em favor dos pobres surge sempre alguma incomodação. Será que Jesus está querendo dizer os pobres materiais? E que dizer então dos que não são tão pobres assim? Nas conhecidas Bem-Aventuranças conforme Mateus, texto do evangelho de 3 de fevereiro (Mt 5,1-12a), Jesus felicita os ‘pobres no espírito’. Esta frase suscita perguntas. Será que os ‘pobres no espírito’ são pobres num sentido diferente, não material? Será possível ser pobre no espírito e rico materialmente? Na realidade, pobre é pobre… ‘No espírito’ é um reforço, significa que a pobreza atinge a pessoa inteira, até o cerne. Ora, outra pergunta é se Jesus felicita os pobres porque a pobreza é boa – e então, deveriam continuar nela. Ou serão a pobreza, a aflição, a opressão, a fome, as situações às quais Jesus se refere para anunciar uma mudança radical?

Tudo indica que Jesus anuncia uma mudança. As regras costumeiras de nossa sociedade já não valem. Já no Antigo Testamento ( 1ª leitura, Sofonias 2,3; 3,12-13), Deus mostra que seu favor não depende de poder e riqueza. Ele prefere aqueles que praticam a justiça, ainda que pobres: os ‘pobres de Javé’. Isso era difícil entender para os antigos israelitas, que – como muita gente hoje – viam na riqueza uma prova do favor de Deus.

Jesus, no evangelho, promete o reino de Deus aos que de fato sofrem e aos que têm o espírito dos ‘pobres de Deus’, os que não pretendem dominar os outros pelo poder e a riqueza, mas se dispõem a colaborar na construção do reino de amor, justiça e paz, tornando-se pobres, colocando-se do lado dos pobres e confiando antes de tudo no poder de Deus e no valor de sua ‘justiça’, que é a sua vontade, seu plano de salvação. Os ‘pobres de Deus’ assumem atitudes inspiradas por Deus e seu reino: pobreza (não apenas forçosa, mas no espírito e no coração), paciência (com firmeza), justiça (com garra), paz (na sinceridade) etc. Aos que não julgam as coisas em função do ter e do poder, mas adentram o mundo da pobreza e o assumem, Jesus anuncia a felicidade (‘ bem-aventurança ‘) do reino. São os cidadãos do reino, os herdeiros da terra prometida. De fato, o ‘manso’, o não-violento tem bem mais condições de usar a terra que o grileiro.

Os pobres solidários constroem uma sociedade melhor que os ricos egoístas. Já ouvi dizer que as Bem-aventuranças não querem dizer os pobres materialmente, porque esses não podem ser os ‘promotores da paz’ aos quais se refere a sétima bem-aventurança (Mt 5,9). Mas será que a verdadeira paz, fruto da justiça, não é promovida pelos pobres e os que em solidariedade com eles lutam pelo direito de todos?

O apóstolo Paulo ensina que Deus escolheu os pobres e os simples para envergonhar os que se acham importantes (2ª leitura, 1 Coríntios 1,26-31). Deus é quem têm a última palavra. Demonstrou isso em Jesus, morto e ressuscitado. Demonstrou isso também em Paulo, que abandonou seu status de judeu e fariseu, para se tornar desprezado, seguidor de Jesus. Não pelo status e o poder, mas pelo despojamento radical é que Paulo se tornou participante da obra de Cristo.

Devemos optar, na vida, pelos valores do reino e não pelo nosso próprio poder, geralmente baseado na opressão, exploração etc. Devemos optar pelos pobres e não pelos que os empobrecem… Para isso precisamos de desprendimento, pobreza até no nosso íntimo (‘ no espírito ‘). A bem-aventurança não vale para pobre com mania de rico!

Os pobres no espírito são os que não apenas ‘quereriam’, mas efetivamente querem e optam por formar ‘povo de Deus‘ com os oprimidos e empobrecidos, porque têm fome e sede do reino de Deus e sua justiça.