A RCC faz parte do "essencial" da vida cristã

2. O segundo perigo é o devocionalismo. Aqui, também, nós precisamos recordar como tudo começou. A Renovação Carismática nasceu com um poderoso impulso para voltar ao que é essencial na vida cristã: o o Espírito Santo, o Senhorio de Cristo, a Palavra de Deus, os sacramentos, os carismas, a oração, a evangelização. Este é o segredo de seu poder explosivo. Esta característica da Renovação é claramente revelada pelo fato de que ela não tem fundadores reconhecidos, nem alguma “espiritualidade” particular, mas que simplesmente acentua o que deve ser comum e “normal” para cada pessoa batizada.

Esta tem sido a minha experiência pessoal e, estou certo de quem tem sido a mesma para muitos de vocês. A Bíblia torna – se uma palavra viva, expirada por Deus e respirando Deus, como Santo Ambrósio costumava dizer. Lembro – me de uma definição de Renovação Carismática dada por alguém naqueles primeiros tempos, que sempre me tocou como a mais verdadeira: “Dando o poder de volta para Deus!” O que nos convencia era que nós nos víamos claramente na presença da ação santa de Deus. Deus presente e ativo na História! Este era o mistério que sempre fez os profetas bíblicos ficarem maravilhados e com que pulassem de alegria: “Céus, regozijai – vos, pois o Senhor agiu: ressoai de alegria, profundezas da terra!” ( Is 44, 23).

“De volta às bases”, como se diz. Vamos mais uma vez oferecer à Igreja este gosto pelo que é essencial. O trabalho básico do Espírito é a sua atividade santificadora ( ver 2 Tss2, 13; 1 Pd 1,2), através da qual Ele transforma seres humanos, dando – lhes um novo coração, não um coração de escravo mas, um coração de um filho da família de Deus. Depois, vem sua atividade carismática, através da qual Ele distribui uma variedade dons para o bem da comunidade. Foi isto o que Ele fez em Pentecostes: transformou os Apóstolos, fazendo deles homens novos, fez com que eles falassem em línguas e profetizassem, e deu – lhes todos os dons que precisavam para sua missão. Na Renovação Carismática, também, nós precisamos respeitar esta hierarquia: a santificação pessoal deve vir primeiro e, somente depois, em segundo lugar, a experiência dos carismas. O Espírito Santo não sai apenas para limpar o vestido de sua Noiva, a Igreja. Seu primeiro objetivo é, acima de tudo, renovar seu coração.

Por que penso que é necessário mencionar todas estas coisas? Creio que as palavras da Carta aos Hebreus são dirigidas a nós, também: “Lembrai –vos dos dias de outrora, logo que fostes iluminados… Não percais esta convicção…” (Hb 10, 32. 35). A Renovação Carismática, e o Catolicismo em geral, corre o risco de tornar –se outra vez excessivamente crescida e pesada, depois do grande esforço do Concílio em restaurar a simplicidade e a essência na doutrina e na prática. Em muitas coisas, por exemplo na devoção à Maria, o Concílio procurou trazer de volta à pratica católica uma sobriedade que foi perdida no correr dos séculos, especialmente na era da contra – Reforma.

Pouco a pouco, vemos este fruto do Concílio se perder. Tem havido um retorno a uma insistência excessiva no que é opcional. A própria Renovação Carismática tem sido sugada num rodamoinho, a tal ponto que, em alguns lugares, está sendo identificada meramente por associação com certas devoções, aparições e mensagens individuais e particulares. É certo que estas coisas são perfeitamente legítimas e um sinal da riqueza da Igreja Católica mas, elas precisam ficar dentro de sua própria esfera e não serem impostas a todos como uma medida de maior ou menor extensão de sua “catolicidade”.

Não se trata de tomar uma posição contra qualquer destas coisas. O ponto é ver se a Renovação Carismática deve ser caracterizada por este tipo de coisa, ou por outra coisa. Nós já temos tudo o que precisamos para nos tornar santos e para pregar o evangelho. Mesmo na questão da devoção à Maria, se quisermos levar à sério e aprofundar nossa apreciação daquilo que as Escrituras e a tradição litúrgica e dogmática da Igreja têm a oferecer (por exemplo, o título “Mãe de Deus”), seríamos capazes de oferecer – lhe toda a honra que desejamos, sem sentir nenhuma necessidade de recorrer à última mensagem ou aparição. Desta forma, tornaríamos nossa devoção à Maria mais aceitável por outros cristãos, e estaríamos apressando o dia em que, em vez de ser um objeto de divisão, ela se tornaria um fator positivo de unidade entre os cristãos. (A harmonia entre seus filhos, não é a coisa que uma mãe mais deseja?)

Nossa tarefa como orientadores espirituais é ajudar nossos irmãos e irmãs a se abrirem aos grandes mistérios da fé e a nunca se fecharem em qualquer devocionalismo de curta duração, que nunca servirá para re- evangelizar o mundo. Concentrar –se no essencial não significa tirar dos fiéis todo o espaço para a livre expressão, ou toda a preferência pessoal, e reduzir tudo à mera igualdade. Com certeza, há espaço para cultivar a devoção pessoal, mas precisa ser mantido no âmbito do que é pessoal. Precisamos não confundir o que é pedido de todos com coisas que são deixadas para escolha individual.