A degeneração dos valores morais e éticos

Há crises que surgem inesperadamente mas são passageiras. Outras, não. São duradouras e os males, profundos. As primeiras são superficiais. Entretanto, quando irrompem em conseqüência da fragilidade do corpo social, afetam os alicerces da sociedade. O Brasil está imerso – e profundamente – em algumas situações que atingem o âmago da nacionalidade. Uma afeta a preservação da intocabilidade da vida e gera uma variedade de crimes contra a lei de Deus. Pode ser sintetizada no aborto e nas atitudes congêneres. A seguir a corrupção administrativa e assemelhados. Ambas surgem da ausência de Deus, do repúdio à Lei divina. Em outras palavras, o homem se coloca no lugar de Deus, com as conseqüências daí decorrentes.

No Brasil, ao lado de passos agigantados na direção do progresso, tomado como um todo, emergem notícias inquietantes que revelam a fragilidade por falta de alicerces éticos. A crise aguda foi precedida pelo anúncio de medidas que, se aprovadas, subtrairiam ao plano divino o arbítrio do homem: dentre estas, encontramos a descriminalização do aborto e a antecipação da morte do ancião, a união de homossexuais, entre outras. O ser humano tenta ocupar indevidamente o lugar do Criador.
O terremoto a que estamos assistindo no campo da política e a má utilização do dinheiro das entidades governamentais são conseqüências da degeneração do tecido formado pelos valores morais e éticos. Recordemos a enxurrada de fatos reveladores de uma grave situação nacional.

Em 1979, em Puebla, na 4ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, o documento conclusivo (nº 507-509) já advertia para os males que hoje afligem a sociedade e, de modo particular, o Brasil. Em nossos países “se experimenta o peso da crise institucional e econômica e claros sintomas de corrupção e violência. Esta é gerada e fomentada tanto pelas injustiças (…) como pelas ideologias que se convertem em meio para a conquista do poder”.
Na publicação do “Compêndio da Doutrina Social da Igreja”, obra tão recente como importante, elaborada pelo Pontifício Conselho Justiça e Paz, lemos: “A relação entre moral e economia é necessária e intrínseca: atividade econômica e comportamento moral se compenetram intimamente”(nº 331). E no nº 332: “A dimensão moral da economia (…) constitui um fator de eficiência social da própria economia”.

No atual momento da vida brasileira é lamentável constatar-se tanto a corrupção administrativa como a falta de pudor na vida social e privada. Ambas formam um círculo vicioso. A malversação do dinheiro público destrói o próprio sentido da moral e, em conseqüência, atinge as estruturas familiares e a consciência do indivíduo. O respeito que se deve à Nação pede o castigo dos culpados. Ao lado da crise política assistimos ao avanço do roubo, da violência, da pornografia e ao desrespeito às crenças religiosas.

Uma eficiente e maléfica atuação junto à opinião pública inibe os poderes constituídos, que já não ousam vetar as ofensas à Moral no campo dos espetáculos, das novelas e filmes. Para isso, confundem habilmente, através de um falso conceito de arte, a liberdade de manifestar as próprias convicções com o vilipêndio de valores éticos. Isto faz lembrar a insensatez de alguém, infectado por grave moléstia de fácil contágio, que exigisse – em nome de seu direito de ir e vir – misturar-se à multidão, apesar da certeza da transmissão da doença. Assim, pessoas deformadas no seu caráter, a quem apraz instilar seu mal, levam ao ridículo orientações, pessoas e objetos aceitos por outros membros da coletividade como sagrados e merecedores de respeito. Há os que ofendem até o Senhor Jesus, em livros ou programas televisivos.

Na homilia pronunciada na missa “Pro eligendo Romano Pontifici”, imediatamente antes de ser dado início ao último Conclave, o então Cardeal Decano do Colégio dos Cardeais, Joseph Ratzinger, hoje Bento XVI, abordou um assunto de grande importância, não só para o mundo, mas, de modo particular, para a nossa situação atual no Brasil. Na ocasião, afirmou:
“Quantos ventos de doutrina conhecemos nestes últimos decênios, quantas correntes ideológicas, quantas modas do pensamento (…). A pequena barca do pensamento de muitos cristãos foi muitas vezes agitada por estas ondas, lançada de um extremo ao outro: do marxismo ao liberalismo, até à libertinagem, ao coletivismo radical; do ateísmo a um vago misticismo religioso; do agnosticismo ao sincretismo e por aí adiante. Cada dia surgem novas seitas e realiza-se quanto diz São Paulo acerca do engano dos homens, da astúcia que tende a levar ao erro (cf. Ef 4,14). Ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, muitas vezes é classificado como fundamentalismo.

Enquanto o relativismo, isto é, deixar-se levar “aqui e além por qualquer vento de doutrina”, aparece como a única atitude à altura dos tempos hodiernos. Vai-se constituindo uma ditadura do relativismo que nada reconhece como definitivo e que deixa como última medida apenas o próprio eu e as suas vontades”.
E acrescentou: “Ao contrário, nós temos outra medida, o Filho de Deus, o verdadeiro homem. É Ele a medida do verdadeiro humanismo. “Adulta” não é uma fé que segue as ondas da moda e a última novidade; adulta e madura é uma fé profundamente radicada na amizade com Cristo. É esta amizade que nos abre a tudo o que é bom e nos dá o critério para discernir entre verdadeiro e falso, entre engano e verdade. Devemos amadurecer esta fé e assim guiar o rebanho de Cristo. E é esta fé, só esta fé que gera unidade e se realiza na caridade”.

Na homilia da missa do início de seu ministério de Pastor supremo da Igreja, no dia 24 de abril de 2005, o Santo Padre Bento XVI disse o seguinte: “Quero retornar a 22 de outubro de 1978, quando o Papa João Paulo II iniciou o seu ministério, aqui na Praça de São Pedro. Ainda e continuamente ressoam em meus ouvidos suas palavras de então: ‘Não temais! Abri, de par em par, as portas para Cristo!’”
Tanto o que estamos vendo nestes dias, em matéria de suborno e congêneres, como as notícias sobre supressão da vida do nascituro, o abortamento, nascem e se fortificam na mesma fonte. A raiz de um e outro é o relativismo. Que Deus ilumine os homens que nos governam e sejam fiéis ao rumo dado por São Paulo aos Efésios (4,14-16). Para combater o mal, faz-se mister uma vida cristã autêntica. A figura de Jesus Cristo nos fortalece nesses momentos de crise. O cristão deve alimentar a esperança.