Não julgueis!

Os três filtros do julgamento

Nunca é demais lembrar: “Não julgueis, e não sereis julgados” [1]. Jesus nos ensina isso de forma direta e clara, não é transmitido na forma de parábola, como geralmente acontecia. A lição é muito importante porque todos nós queremos ser acolhidos com benevolência e misericórdia quando erramos. E quanto há para Deus nos perdoar! Tanto que pedimos à Mãe Aparecida que rogue por nós na hora da nossa morte. E o preço de julgarmos o irmão é sermos julgados por Deus na mesma medida [3]. Mesmo sabendo de tudo isso, é comum julgarmos. E esse julgamento passa por três filtros particulares que são: a afinidade com o ofensor; a falta de empatia; e a predisposição a ofender.

A afinidade com o ofensor é o que nos direciona à condenação. Quer dizer que, antes de tudo, você irá levar em consideração quem agiu mal e supor se a pessoa quis ou não ser ofensiva, o que levará em conta a sua afinidade, ou seja, se você já gosta ou não daquela pessoa, independente do mal que ela causou. Ora, quem poderá conhecer os pensamentos e o coração do outro, se não o próprio Cristo? Sim, Jesus conhecia os pensamentos dos escribas quando curou o paralítico [3], conhecia os pensamentos dos apóstolos que não haviam entendido o alerta sobre a
doutrina dos fariseus e saduceus [4], também conhecia os pensamentos dos escribas e fariseus quando curou na sinagoga [5], e, portanto, conhece também os nossos pensamentos. Então, não nos deixemos cair na tentação de julgar o outro acreditando conhecer os pensamentos dele. A afinidade com o opressor é defender aqueles que
admiramos e condenar os que desprezamos, de forma a nos esquecermos das palavras de Jesus: “amai os vossos inimigos e orai por aqueles vos perseguem” [6]. Como é fácil atacar, julgar e condenar uma pessoa quando não gostamos dela. Ora, se o perdão e a misericórdia só são entregues às pessoas que gostamos, o que fazemos de diferente dos pagãos? [7]

Foto Ilustrativa: by Getty Images / borisz

O que nos leva ao julgamento de uma pessoa?

O segundo filtro é a falta de empatia que nos leva a julgar se o outro tinha ou não o direito de se sentir ofendido. Mas, para isso, usamos nossos próprios valores, ou seja, nossas próprias medidas. Ora, já imaginou se todos nós fôssemos julgados em comparação com Jesus? Não haveria salvação. Na verdade, nenhum de nós pode alcançar o Reino dos Céus por nossos próprios méritos, mas tão somente pelo Caminho, a Verdade e a Vida, que é Jesus Cristo [8], Aquele que nos preparou uma morada [9]. Portanto, não nos cabe decidir o que pode ou não magoar o outro, quais
dores ele pode suportar ou quanto sofrimento lhe cabe. A falta de empatia nos leva para isto: avaliamos como justo o que não seria ofensivo para nós mesmos e sufocamos os sentimentos do outro.

A predisposição a ofender é quando nos julgamos no direito de julgar. Sim, é um erro duplo. É quando damos razão ao ofensor e apoiamos as más ações ou as palavras cruéis. Esse é também o mais difícil de reconhecer em nós mesmos. Lembre-se da parábola da lâmpada [10]: “Será que a lâmpada vem para ficar debaixo de uma caixa ou debaixo da cama? Pelo contrário, não é ela posta no candelabro?”. Essa passagem traz consigo o ensinamento de que a doutrina do Cristo é luz para todo o mundo e que Seu Reino transpõe profundamente nossos corações, de forma que nada podemos esconder. Por isso, embora seja custoso nos reconhecermos tão pecadores quanto o ofensor, a verdade é que estamos propensos a expressar nossos preconceitos e condenações quanto outra pessoa deu o primeiro passo nesse sentido. É ter uma lamparina de pecado debaixo de uma caixa, pronta para ser revelada se
houver outro pecador conosco. É estar pronto para atirar uma pedra, desde que não seja a primeira.

Leia mais:
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Seja atento ao conselho do Papa Francisco

Reflita com o conselho do Papa Francisco: “Olha-te ao espelho, mas não a fim de te maquilhar para que não se vejam as rugas; não, não, não é esse o conselho! Olha-te ao espelho para te veres a ti mesmo, como és”. E o Pontífice também advertiu para a consciência de que “o meu julgamento é pobre: falta algo tão importante que o juízo de
Deus possui, falta a misericórdia”.

O caminho do autoconhecimento, por vezes, é doloroso, pois encontramos em nós males, defeitos e pecados que por tanto tempo foram negados. Mas, a verdade, é que somos todos filhos do Deus da misericórdia, o pai da parábola do filho pródigo [11], que sempre nos receberá de braços abertos e não desprezará um coração contrito e humilhado [12]. Que o caminho da santidade nos aproxime cada vez mais de um coração manso e humilde que nos permita o perdão e a misericórdia, sem julgamentos por medidas mundanas. Que assim seja!

CITAÇÕES DO TEXTO BÍBLICO
[1] (Mt 7, 1); [2] (Mt 7, 2); [3] (Mt 9, 4); [4] (Mt 16, 8); [5] (Lc 6, 8); [6] (Mt 5, 44);
[7] (Mt 5, 46-48); [8] (Jo 14, 6); [9] (Jo 14, 2-3); [10] (Mc 4, 21-25); [11] (Lc 15, 11-32);
[12] (Sl 51, 19).

REFERÊNCIAS
BÍBLIA SAGRADA. Tradução da CNBB, 18 ed. Editora Canção Nova.
FRANCISCO. Meditações matutinas na Santa Missa celebrada na capela da
Casa Santa Marta. Vaticano, 20 jun. 2016.
SAGRADA BIBLIA. Traducción y notas Facultad de Teología Universidad de
Navarra. Edição Digital. Editora EUNSA. 2016.

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