Recomeçar

Experiências dolorosas do passado influenciam meu jeito de amar?

Será que alguma experiência dolorosa do passado continua exercendo influência sobre meu jeito de amar?

Já é tarde da noite e lá fora há um silêncio rural, interrompido somente pelo vento, e que hoje está mais forte, anunciando uma nova estação. A impressão que tenho é que tudo está tranquilo lá fora e aqui dentro de minha alma. Mas não seria só uma impressão?

O fato é que tenho, em minhas mãos, um livro que se tornou meu amigo e conselheiro nesses últimos dias. De autoria do pesquisador e escritor Roberto Shinyashiki e Eliana Dumêt, ele trata sobre diversos assuntos ligados ao relacionamento humano, inclusive o medo de amar. Paro na página que acabo de ler e começo a escrever como que a me certificar do que aprendi, mas também para partilhar com você, leitor, algo que, segundo imagino, lhe fará o mesmo bem que fez a mim. Você já sentiu medo de amar? De relacionar-se com profundidade? Sabe de onde vem esse medo?

Foto: Wesley Almeida / cancaonova.com

O exemplo do camundongo

O escritor narra um experimento realizado pela Psicologia, que responde, de forma figurada, a esta e a outras perguntas ligadas a este assunto: o amor. Um cientista colocou um ratinho em uma gaiola para avaliar o comportamento dele. Ele conta que, no início, o animal ficou passeando de um lado para o outro, movido pela curiosidade. Ao sentir fome, dirigiu-se ao alimento depositado lá. No entanto, ao tocar no prato, no qual o pesquisador havia instalado um circuito elétrico, o animalzinho levou um grande choque, tão forte que, se não desistisse de o tocar, poderia morrer.

Depois do ocorrido, o camundongo correu na direção oposta ao prato. Se pudéssemos perguntar-lhe se ele estava com fome, certamente responderia que não, porque a dor provocada pelo choque, com certeza, faria com que desprezasse o alimento naquele momento. Depois de algum tempo, porém, o ratinho entrou em contato com a dupla possibilidade de morte: pelo choque ou pela fome. Contudo, quando a fome se tornou insuportável, o animal, vagarosamente, foi novamente em direção ao alimento. Nesse meio tempo, no entanto, o pesquisador desligara o circuito. O prato não estava mais eletrificado. Porém, quando quase iria tocá-lo, o ratinho teve a sensação de que levara um segundo choque. Houve taquicardia, os pelos ficaram eriçados e ele correu, mais uma vez, em direção oposta ao prato. Se lhe perguntássemos o que havia acontecido, a resposta seria: “Levei outro choque”. Embora a energia elétrica estivesse desligada, e ele não soubesse disso.

A partir desse momento, o ratinho vai entrando numa grande tensão e seu objetivo passa a ser o de encontrar uma posição intermediária entre o limite da fome e o da obtenção do alimento, para que tenha certa tranquilidade. Esse estado é chamado de ponto de equilíbrio, porque representa uma posição entre o se fazer alguma coisa, no caso alimentar-se, e, ao mesmo tempo, evitar um novo choque.

O choque de sentir-se rejeitado

É provável que você esteja se perguntando: o que isso tem a ver com medo de amar? Eu diria: Tudo!. Muitas vezes, vemos pessoas ou até nos vemos “tomando choque” sem nem mesmo tocar no “prato”. Basta analisar em quantas ocasiões sentimos vontade de convidar alguém para sair, conversar, ir à praia ou ao cinema, mas não fizemos nada disso temendo levar o “choque do ‘não'”! Ou ainda, quantas vezes deixamos de dizer às pessoas o quanto elas nos fazem bem e quanto as amamos, por medo de que o sentimento não seja recíproco e com isso nos sintamos rejeitados?

Segundo o pesquisador, isso é tomar um “choque sem tocar no prato”.

O fato é que experiências dolorosas do passado podem provocar um medo terrível de novos sofrimentos. O pior é que quase sempre esquecemos que nem todos os “pratos” estão eletrizados, ou seja, nem todas as pessoas têm as mesmas inseguranças ou outras fraquezas que, algum dia, nos deram um choque.

Segundo estudos científicos, a compreensão do que sentimos é o melhor estímulo de que precisamos para recomeçar.

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Ir além do medo de novos sofrimentos

Talvez, hoje, seja o dia propício para fazer uma pausa e pensar: Será que alguma experiência dolorosa do passado continua exercendo influência sobre meu jeito de amar e sobre a profundidade de meus relacionamentos?

Amar é a primeira condição para estarmos em constante comunhão com Deus. Não temos o direito de nos privar dessa vocação maravilhosa que o Senhor imprimiu em nosso coração no ato da criação.

“Amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus. Quem não ama, não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor” (cf. I João 4,7-8).

Que o Mestre do Amor nos encoraje a irmos além do medo e amarmos, com profundidade, aqueles que Ele, em Sua infinita bondade, aproxima de nós.