Entenda

Afetividade, sexualidade e a Palavra de Deus

A afetividade, na vida cristã, é iluminada pela Palavra de Deus. O livro “Sobre o Corpo”, do Cardeal Martini, Arcebispo de Milão, é o ponto de referência para nossa conversa de hoje.

“Deus criou o homem à Sua imagem; à Sua imagem o criou; homem e mulher os criou.” (Gn 1,27)

“Eu vos exorto, pois, irmãos, pela misericórdia de Deus, a oferecerdes os vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a Deus: este é o vosso culto espiritual.” (Rm12,1)

“O corpo não é para a devassidão, ele é para o Senhor e o Senhor é para o corpo.” (I Cor 6,13)

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Foto Ilustrativa: RyanJLane by Getty Images

O corpo do homem e o da mulher são criados à imagem e semelhança de Deus

No mito grego, narrado por Platão: “um dia, Zeus, querendo castigar o homem sem destruí-lo, o partiu em dois. Dali em diante, cada um de nós é o símbolo de um homem, a metade que procura a outra metade, o símbolo correspondente” (O Banquete, XVI). No mito está presente algo que experimentamos: o corpo como palavra não dita, realidade não completa que remete ao outro.

Na Bíblia o corpo do homem e o da mulher são criados à imagem e semelhança de Deus, também enquanto macho e fêmea. Isto é fundamental para entender o que é o corpo e como se torna ele mesmo.

“Não é bom que o homem esteja só” (Gn 2,18.21-23). Quando o homem acorda, tem um grito de alegria e maravilha pela alteridade da mulher. O homem exulta na superação da solidão, na descoberta do outro.

O meu corpo tem uma palavra precisa inscrita em si: esta palavra é o outro. O corpo se torna ele mesmo diante do outro, pondo-se em relação. Se eu quiser possuir o outro, não será mais “outro” e eu permanecerei só, sem nenhum “outro”.

Implicações desta verdade bíblica

“O outro diz o Outro”: A palavra inscrita no corpo fala de Deus, do santo, o “Outro”. Santo significa “diverso”: Lv 11,44 e I Cor 6, 13.16. Meu corpo é chamado a ser templo de Deus, de um modo diverso, próprio de Deus.

O selo de Deus: O homem e a mulher são chamados a serem imagem e semelhança de Deus, a exprimirem, na alteridade sexual, o vulto de Deus que é amor, colocando-se em relação de simpatia, comunhão e fecundidade. O corpo humano tem o selo de Deus que será chamado a viver um amor que não se fecha em si mesmo. É o amor divino que permite ao nosso corpo existir. O sexo contém uma palavra sublime de amor, que realiza a pessoa à imagem de Deus, cuja santidade é o amor. Uma sexualidade que não redescobre a palavra do corpo reduz o corpo à insensatez, desonrando-o e desprezando-o, esvaziando-o de seu significado.

Sexualidade e liberdade: a sexualidade é uma energia à disposição de cada um, mas depende de mim o seu uso. O corpo humano é uma conexão entre a liberdade e a necessidade, vai além do instinto. A liberdade do cristão é viver o corpo com a capacidade de servir-se dele para amar. Não é fazer o que agrada ou somente o que eu devo, mas fazer o que agrada a Deus, pois me alegra agradar a quem me ama e eu amo. A beleza e a harmonia da sexualidade vêm a ser aprendidos, para serem dirigidas com liberdade, segundo a inspiração do Senhor.

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O Corpo como limite: A sexualidade é o limite que remete à outra pessoa, diversa de mim. É o lugar mais evidente para ser contra ou a favor do outro. O exercício da sexualidade diz respeito à outra pessoa. Cada um, masculino ou feminino, conhece a si através de uma reflexão sobre si mesmo. Mas há aspectos que só são conhecidos do homem pela mulher e vice-versa.

Complementariedade, não diferença: Diferença significa um relacionamento desigual, onde um é maior ou menor do que o outro. Também a ideia de diversidade é insuficiente, pois sublinha características estranhas entre as pessoas. É melhor falar de integração ou complementariedade, que faz alegrar-se com o bem que o outro tem e se transforma justamente em princípio de comunhão no dom, na acolhida e no serviço recíproco, impregnando de humildade, respeito, fidelidade e reverência o amor.

O homem se transforma naquilo que ama: Deus se torna a vida do ser humano (Dt 6,4). O relacionamento entre homem e mulher é figura do relacionamento com Deus. O ser humano é feito para amar a Deus de modo absoluto, como sua única referência em sentido pleno. O amor do homem e da mulher é um eco do amor de Deus, que o levou a unir-se ao ser humano, para ser com ele, em Jesus, uma só carne. Pode-se dizer também, reciprocamente: Quem se une ao Senhor, forma com ele um só espírito” (I Cor 6,17).

Sexualidade e responsabilidade: Quando a Igreja fala de sexualidade está lendo a sabedoria comum dos povos à luz do Evangelho, que compreende que sem restrições não haverá um sentido verdadeiro de alegria. A intenção da Igreja é educativa!

A regra clássica: A satisfação consequente da união amorosa de suas pessoas tem verdadeiro significado humano quando há fidelidade recíproca e abertura à fecundidade; tudo o que não entra nessa regra carece de sentido pleno.

O sentido do pecado vem quando há um gesto livre que perturba de modo grave o equilíbrio interior e relacional da sexualidade bem ordenada e o relacionamento de submissão ao desígnio de Deus para a felicidade humana.

Muito do que se desvia da regra fundamental é devido a uma sexualidade preguiçosa e desordenada. Ocorre um caminho de clareza e vitória sobre si mesmo. O conselho de uma pessoa madura e o sacramento da reconciliação serão sempre uma grande ajuda.

O consumismo do sexo: A sexualidade não pode ser degradada a coisa, ídolo ou imagem. Como nossa cultura é de imagens e não do espírito, ela não consegue perceber a dimensão mais profunda e mais verdadeira do corpo.

A castidade

João Paulo II: “A castidade é a atitude transparente no relacionamento com a pessoa de outro sexo”.

A castidade é ordem, equilíbrio, domínio, harmonia. Muitos afirmam ser propriedade sua o corpo, mas isso contradiz o que dissemos sobre o corpo como relação.

A castidade é bonita porque reconhece o senhorio de Jesus Cristo sobre o corpo (I Cor 6,13), faz viver no corpo a liberdade do Espírito com os frutos elencados por São Paulo na Carta aos Gálatas (5,22).

A Castidade tem significado e concretização diversa de acordo com os estados de vida. Na adolescência e na juventude são postas as bases para o desenvolvimento da pessoa e acontece a formação da coerência e domínio de si, que se refletirá de modo benéfico em todas as fases da existência.

Educar-se para a castidade: não basta a razão! É necessária intuição espiritual que ajude a acolher as exigências decorrentes do fato de que nosso corpo é do Senhor. Isso exige humildade, perseverança, oração.

Educação para a castidade

Castidade como superação de mentalidade de posse e de consumo, onde o prazer é mais um produto.

-Castidade e pureza de coração (Mt 5,8): ela é uma atitude mais ampla do que a castidade, mas que a inclui e permite descobrir a causa de não poucas dificuldades.

-Frutos da castidade: experiência unificante da vida, liberdade dos falsos absolutos, abertura, disponibilidade.

– Formação para o conhecimento do corpo e atitudes de saída de si, desde o nascimento.

– Um jovem ou uma jovem só se torna homem e mulher quando é capaz de esquecer de si para o bem dos outros. Antes disso, é psicologicamente ainda criança ou adolescente. Aprender a amar não é iniciar-se nas técnicas do ato sexual, e sim sair de si. Sem essa formação é quase impossível nascer uma vocação evangélica. Um jovem casto é capaz de dizer sim ao Senhor.

Educar-se para a castidade é possível para quem busca o desígnio de Deus, quem se apaixonou pela sua vontade!

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Dom Alberto Taveira Corrêa

Dom Alberto Taveira foi Reitor do Seminário Provincial Coração Eucarístico de Jesus em Belo Horizonte. Na Arquidiocese de Belo Horizonte foi ainda vigário Episcopal para a Pastoral e Professor de Liturgia na PUC-MG. Em Brasília, assumiu a coordenação do Vicariato Sul da Arquidiocese, além das diversas atividades de Bispo Auxiliar, entre outras. No dia 30 de dezembro de 2009, foi nomeado Arcebispo da Arquidiocese de Belém – PA.