Ouvir Deus

O silêncio é tão terapêutico como expressar-se

O silêncio das tardes parece ter se perdido no passado. As manhãs perderam o seu mistério no descortinar de um novo dia. O barulho ocupou todos os espaços que eram reservados ao silêncio. Em meio ao mundo agitado, o silêncio foi, aos poucos, sendo esquecido.

Em pleno século XXI, o homem e a mulher contemporâneos redescobrem o valor do silêncio na confusa agitação da vida cotidiana. O que havia se perdido começa a ser redescoberto como fonte terapêutica. É grande o número de pessoas que procuram retiros e dias de pleno silêncio, nos quais podem estar desligadas das “redes sociais” e, também, da agitação da vida moderna.

Foto Ilustrativa: AntonioGuillem by Getty Images

Por que o silêncio é terapêutico?

Silenciar-se é tão terapêutico como o expressar-se. Desde a Antiguidade, principalmente entre os monges do deserto, conhecidos também como “Terapeutas do Deserto”, o silêncio era uma riqueza terapêutica. Por meio dele, homens e mulheres se encontravam com Deus e com si mesmo. Hoje, o ser humano tem sede de silêncio e paz. A agitação da vida moderna roubou esse tesouro que pertence à alma.

Para os monges do deserto, o silêncio era um remédio para a agitação que afligia o ser humano, pois nele [silêncio], a pessoa entra em contato com aquilo que ela possui de mais sagrado, ou seja, a sua própria alma. Nos recônditos da alma, encontram-se as respostas que tanto se busca para o cotidiano da vida. No silêncio da alma, encontra-se a presença de Deus.

Acho complicado quem busca a Deus na agitação dos megashows e encontros. Barulho, som em nível altíssimo, gritos. Fico me perguntando: “Como será a experiência de alguém que faz um encontro com si mesmo e com Deus em meio a tanta agitação? É possível esse encontro? Qual o nível de experiência espiritual que a pessoa leva para a sua vida cotidiana?”.

Ouvir a voz de Deus

Parece-me tão lógico que o silêncio das tardes, das flores, das chuvas e paisagens nos mostrem claramente que Deus se encontra lá, escondido no mistério. Como ouvir um amigo no meio de um show? Mesmo que ele grite ao nosso ouvido, vamos compreender (ainda que com muito esforço) quase nada do que ele tentou nos dizer. Como pensar na vida participando de um show, mesmo que esse seja cristão? O máximo que conseguiremos é voltar para casa com os tímpanos afetados pelos estragos dos altos decibéis.

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A arte do silêncio consiste em ouvir a voz de Deus que nos espera numa tarde serena, na chuva que irriga a terra para despertar a vida adormecida pela longa seca, nas flores que cumprem o seu papel de falar da beleza da vida, nas paisagens que revelam o mistério que não precisa de palavras.

Se, no silêncio que cala toda agitação, encontramos Deus, então, também nos encontraremos com aquilo que sempre buscamos: nós mesmos. Onde tudo se cala o mistério da vida nos aponta a beleza do que não pode ser expresso verbalmente.

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Padre Flávio Sobreiro

Bacharel em Filosofia pela PUCCAMP e Teólogo pela Faculdade Católica de Pouso Alegre (MG), padre Flávio Sobreiro é pároco da Paróquia São José, em Toledo (MG), e padre da Arquidiocese de Pouso Alegre (MG). É autor de livros publicados pela Editora Canção Nova, além disso, desde 2011,  é colunista do Portal Canção Nova. Para saber mais sobre o sacerdote e acompanhar outras reflexões, acesse: @peflaviosobreirodacosta.