Celebrar os mistérios de Cristo

Na celebração da paixão, morte e ressurreição do Senhor há uma amálgama de tudo o que compõe a vida humana: as lutas do dia a dia, as esperanças, as tristezas, os erros e os acertos, os sofrimentos, as traições que às vezes padecemos, mas afinal a certeza de que venceremos, pois Cristo assumiu nossas dores e morreu em nosso lugar, e alcançou a salvação para nós. Lemos, nestes dias sagrados, as passagens mais significativas da Escritura que nos alimentam a fé, a esperança e a caridade.

No relato do evangelista João, poderemos contemplar os últimos momentos da paixão de Cristo. Após receber nos lábios ressequidos pela tremenda sede uma esponja embebida em vinagre que os soldados afixaram sobre a lança, inclinou a cabeça e exclamou: Tudo está consumado! (Jo 19,30) Momento de profundo silêncio! A natureza e a humanidade ressentem a força deste brado. Ele morreu.

Há na brisa suave um baixíssimo acorde que cobre de tristeza a todos que contemplam aquele doloroso quadro, até mesmo aos soldados romanos céticos e embebidos de falsas religiões politeístas do poderoso império dos Césares. E como acontece depois de findada a loucura das condenações à morte, quando morre o condenado, nada mais há a fazer senão pensar agora apenas no que fora feito. As vozes deixam de ser gritos para serem sussurros, os vultos deixam de ser risonhos para serem rígidos, os olhares deixam de ser ridículos para serem assustados, o ambiente deixa de ser movimentado para ser quieto, terrivelmente quieto. O Centurião, chefe da guarda romana olha para o corpo inerte do Senhor e não pode mais não crer: “Este era mesmo um homem justo” (Lc 23,47)

O texto joanino, além de demonstrar o terrível erro jurídico acontecido com a condenação de Cristo inocente, certamente diz mais. Nas palavras de Longuinho podemos acolher o convite para que creiamos em Cristo como nosso Salvador, que terminou sua obra tomando sobre si nossos pecados, morrendo em nosso lugar, por pura misericórdia. São Máximo, o Confessor, ensina que:
“O Verbo de Deus não curou apenas nossas enfermidades com o poder dos milagres. Tomou sobre si as nossas fraquezas, pagou a nossa dívida mediante o suplício da cruz, libertando-nos dos nossos muitos e gravíssimos pecados, como se ele fosse o culpado, quando na verdade era inocente de qualquer culpa. Além disso, com muitas palavras e exemplos, exortou-nos a imitá-lo na bondade, na compreensão e na perfeita caridade fraterna.”

A consumação da vida de Cristo é a vitória sobre o mysterium iniquitatis, sobre o mal estabelecido, sobre as loucuras da pessoa humana que, em vez de fazer o bem, se deixar levar pelo erro, pela corrupção, frutos do egoísmo, da vaidade e do orgulho.

A consumação da obra do Messias é uma lição de perseverança para a sua Igreja e para todo aquele que procura, em Cristo, fazer o bem. Santo Irineu de Lion ensina no Tratado Adversus Haeregis: Se Deus requer o serviço dos homens é porque, sendo bom e misericordioso, deseja conceder os seus dons aos que perseveram no seu serviço. Com efeito, Deus de nada precisa, mas o homem é que precisa da comunhão com Deus.

Eis a lição e o sentido da Semana Santa. A celebração dos mistérios pascais nos dão a certeza de que a morte não foi para Cristo a última palavra, mas apenas o encerramento de uma obra, da missão salvadora que se perpetua na Igreja, corpo místico de Cristo. A celebração destes mistérios está bem expressa na aclamação litúrgica da comunidade após a consagração do pão e do vinho eucarísticos: anunciamos, Senhor, a vossa morte, proclamamos a vossa ressurreição; vinde Senhor Jesus! A celebração dos mistérios de Cristo, especialmente realizada na Semana Santa, é, de certa forma, atemporal: recorda o passado, torna presente o ato salvífico e adianta o futuro, quando toda a humanidade, não mais triste, mas exultante, poderá dizer com Cristo vitorioso: Tudo está felizmente consumado!

Feliz Páscoa!