Acolher o outro

A pessoa é o mais importante

Nunca se deve julgar um homem fixando-se apenas em um ato entre tantos de sua vida

Somos naturalmente atraídos pela beleza, pelo que nos encanta à primeira vista; só depois é que a razão nos permite pensar se o que nos atraiu é tão bom quanto belo. Acredito que, como cristãos, um dos maiores desafios que travamos diariamente é este: não pararmos nas aparências. Mas quando se trata de conviver e relacionar-se com pessoas, o desafio torna-se ainda mais exigente. Morando em comunidade e trabalhando com os meios de comunicação, como é o meu caso, é inevitável não me relacionar com diversas pessoas. Cada uma com sua história, suas lutas e seu jeito de ver a vida e de viver. Então, constantemente, vejo-me frente ao desafio de acolhê-las como um mistério que vai além do que vestem, dizem ou fazem.

Outro dia, vivi uma situação interessante: uma de minhas amigas pediu-me que analisasse sua postura diante do que vive e lhe dissesse o que eu pensava a seu respeito. Demonstrava certa preocupação com sua popularidade, não se sentia acolhida e, muitas vezes, era mal interpretada nas atitudes e palavras. Percebia que algo estava errado, mas não conseguia identificar o erro nem admitir que ele fosse seu. Compreendi que, com a partilha, ela já expressava desejo de mudar, de ser melhor, mas via também sua dor por não se sentir valorizada naquilo que era, independente do que fazia.

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Foto: Wesley Almeida / cancaonova.com

Confesso que fiquei um tanto embaraçada na resposta que deveria dar naquela hora, mas tentei explicar que ela era muito mais importante do que o que vivia no momento e tinha mais valor do que conseguia transmitir com suas palavras e atos. Conhecendo-a bem, sabia que suas atitudes naquele momento não determinavam o que estava em sua essência. Daí, lembrei-me de uma parábola na qual o autor fala sobre isso e expliquei-lhe o quanto Deus a amava, independente da “estação” da vida em que ela se encontrava.

Concluída a partilha, fiquei pensando: Talvez, em outras épocas, eu não teria dado essa resposta, seria antes uma oportunidade para – em nome da transparência – apontar seus defeitos. Mas o que me fez agir diferente? Acredito que quem muito recebe, naturalmente deve dar muito e talvez tenha sido um fio dessa lembrança que me fez agir assim. Não consigo contar as vezes em que fui acolhida, perdoada e incentivada a dar uma resposta diferente. Jesus é o primeiro Mestre nessa lição. Ele está sempre pronto a nos acolher a partir do que somos na essência e nos incentiva a ser e a agir como Ele.

Fico pensando nas inúmeras oportunidades que temos para optar por ajudar a pessoa a ser o que ela é ou afastá-la ainda mais de sua essência. E esse pensamento me fez escrever na intenção de lhe propor uma reflexão sobre isso. Deus nos deu muitos dons e nos capacitou a optarmos pelo bem, mas nos fez livres para escolhermos, a cada dia, a maneira de lidarmos com a nossa vida e com a vida de quem se aproxima de nós.

A parábola da árvore

A parábola, a que fiz referência à minha amiga, é esta: Conta-se que um homem tinha quatro filhos e queria que eles aprendessem a não julgar as coisas precipitadamente. Um dia, resolveu mandar cada um deles, por turnos sucessivos, a observar uma árvore que se encontrava a uma considerável distância da sua propriedade. O primeiro filho foi no inverno; o segundo, na primavera; o terceiro, no verão; e o quarto foi no outono. Depois de todos terem ido observá-la e regressado, o pai juntou os quatro filhos e pediu a cada um que descrevesse o que vira.

O primeiro comentou que a árvore era torta, despida de folhagem e muito feia. O segundo, diferentemente, afirmou que a árvore estava repleta de rebentos verdes e promissores. O terceiro não concordou e disse que a árvore era rica em flores de inebriante perfume e de uma beleza como nunca vira igual. O último filho manifestou o seu total desacordo com os seus três irmãos e declarou que a árvore estava carregada de excelentes frutos maduros, em tal quantidade que os ramos quase tocavam no chão. Então, não obstante opiniões tão divergentes, o pai afirmou-lhes: “Meus filhos, todos vós tendes razão!”. Perante a grande surpresa expressa no rosto dos quatro irmãos, o pai lhes explicou por que todos tinham razão: “É que cada um de vós viu apenas uma das quatro estações da vida da árvore”.

Quantas vezes também nós não agimos assim? Vemos as coisas e as pessoas em uma “estação” e determinamos precipitadamente o que ela é. Dizem os sábios que nunca se deve julgar um homem fixando-se apenas em um ato entre tantos de sua vida. E aconselha-nos a esperar um pouco mais, para que, vendo os frutos da ação, constatemos o heroísmo do autor.

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Faço minhas as palavras do padre Fábio de Melo, quando diz de maneira tão poética quanto sabia: “Olha devagar para cada coisa. Aceita o desafio de ver o que a multidão não viu. Em cascalhos disformes e estranhos diamantes sobrevivem solitários”.

Que tenhamos a coragem de seguir os passos de Jesus. Ele, por excelência, foi um grande lapidador de diamantes que estavam escondidos em cascalhos disformes. Sabe por quê? Porque Ele nunca parava no que ouvia dizer da pessoa nem diante do que ela dizia de si. Ele ia sempre além, buscava o coração, a verdade que estava na essência da alma de cada um que se aproximava d’Ele. Foi assim com a samaritana que encontrou no poço de Jericó (cf. Jo 4,4-30) e com tantas pessoas com as quais Ele se relacionou no cumprimento de Sua missão.

Hoje, é dia de contemplarmos o que a multidão não vê e acolher os que se aproximam de nós, independente da “estação” em que se encontram.


Dijanira Silva

Missionária da Comunidade Canção Nova, desde 1997, Djanira reside na missão de São Paulo, onde atua nos meios de comunicação. Diariamente, apresenta programas na Rádio América CN. Às sextas-feiras, está à frente do programa “Florescer”, que apresenta às 18h30 na TV Canção Nova. É colunista desde 2000 do portal cancaonova.com. Também é autora do livro “Por onde andam seus sonhos? Descubra e volte a sonhar” pela Editora Canção Nova.